28.5.07

Das festas e festas ou como eu também sou, um pouco, saudosista

enviado para iraraense@yahoogrupos.com.br em 20 de maio de 2005.
.
Uma festa para a qual, assim como Cazuza, não fui convidado relegou-me a algumas lembranças. Rememorei eventos festivos de alguns anos atrás acontecidos em terras iraraenses. Sendo mais especifico, recordei-me das festas bailes e consequentemente das bandas que as animavam, traçando um pequeno paralelo com os embalos atuais.
.
Antes, as chamadas festas bailes reinavam no cenário festivo de Irará. Era o final dos anos oitenta, inicio dos noventa e o repertório daqueles grupos eram completos. Melhor dizendo, saiam do pop internacional, das baladas românticas, do sertanejo e do forró, passavam pelo axé e chegavam até mesmo ao reggae e ao rock and roll. Resumindo: Tocavam de tudo. E eram os ritmos que ditavam o momento do baile. Tema mais lento, "hora de se armar". Tema mais eletrizante, "hora de agitar". Por vezes rolava até confusão, mas nada que uma parada no som ou um apelo do vocalista não pudesse controlar.
.
Fora dos imprevistos, o baile só era interrompido uma única vez para o intervalo da banda. Isto porque elas tocavam madrugada adentro e como ninguém é de ferro, mereciam um breve descanso. Longe do circuito massivo, embora demonstrassem interesse em adentrá-lo, aqueles grupos não tocavam no rádio e como era a época analógica, do vinil, eles não tinham facilidades de gravação. Assim o sucesso das bandas era feito de acordo com as suas performances. E desta forma, bandas como Extra, Flor de Cactos, Garganta Inflamada, RPB, entre outras, fizeram história em Irará.
.
Hoje, as festas estão mais ligadas ao show bussines e apresentam as chamadas bandas show. Estes conjuntos são especialistas em tocar somente um estilo musical, dificilmente tocam mais que duas horas e certamente já tem o seu CD gravado, nem que seja através de um computador de amigo. A falta de variedade no gênero é evidenciada pela concentração em basicamente três vertentes. Quando não é arrocha ou é forró ou é pagode. E as festas mais parecem festivais com três, quatro, cinco... dez bandas! Cada uma toca cerca de uma hora, com mais uma de intervalo entre as atrações para trocar instrumentos, passar o som, etc (só ai já foi metade da festa).
.
Tanta demora talvez seja aceita pela vontade de ver aquele grupo que toca no rádio ou é comentário geral. Entretanto, há ocasiões em que a banda pela qual se espera nem é "famosa", mas as pessoas acabam esperando, esperando, esperando, como naquela canção do Chico. Quanto a apresentação dos grupos, é melhor nem comentar. Alguns deles parecem que se preocupam mais em mostrar figurinos, fazer danças e encenações exaustivamente repetidas por centenas de outros conjuntos, do que mostrar qualidade musical. Coisas que causam arrependimento pelo ingresso pago. Este passaporte, pode ser uma camisa e por mais que a vaidade feminina tente reforma-las para se diferenciar, ainda estarão participando de um evento uniformizado.
.
Na verdade, a festa de que falei no inicio não exigia convite algum. Bastava apenas comprar a camisa e eu estaria lá, com meu uniforme como todas as outras pessoas. Mas pensei melhor e decidi não ir. Fiquei em casa e aproveitei para ler alguma coisa. Como ultimamente têm saído um festival de textos saudosistas sobre os anos oitenta, suas culturas e comportamentos, acabei sendo influenciado. Afinal de contas, eu não iria ficar de fora desta festa.

18.5.07

V V V V – Vinhos, versos, velas e Vânia

Como estamos em tempos de lembranças. Vamos lembrar do Vinhos e Versos. Havia quatro texto sobre o assunto que ainda não tinha vindo aqui nesse blog. Foi difícil, mas escolhi esse. Por que ele foi, digamos, iluminado...

Texto escrito em dezembro de 2004.

Janela - trabalho de Vânia Medeiros, capa de uma das revistas Vinhos & Versos.

Na quinta feira a companhia de energia elétrica interrompeu o fornecimento de energia a alguns prédios públicos de Irará. O Sobrado dos Nogueiras (Casa da Cultura – Biblioteca Municipal) foi um deles. Diante do acontecido, o recital de Poesias Vinhos e Versos da Casa da Cultura de Irará (CCI), antes programado para acontecer no Sobrado, teria de ser transferido.
.

A direção da Casa da Cultura agiu rápido e conseguiu o deslocamento do evento para o Arte Café (barracão em frente ao Banco do Brasil). Entretanto, a notícia da mudança não foi divulgada, pois o grupo diretor da entidade já se colocava diante de um novo dilema. Dúvida acionada pelo surgimento da idéia poética de fazer o recital sob a luz de candeeiro. Isto seria, como alguns já comentavam, o Vinhos, Versos e Velas. No entanto, realizar o recital com pouca iluminação, significava a quase que anulação da exposição artística, pensada para a mesma data e local.
.
Exibir as gravuras de Vânia Medeiros no Vinhos e Versos era muito importante para a Casa Cultura. Primeiro pela beleza do trabalho da jovem estudante de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia. Ela usa e abusa da técnica de colagens, desenhos a lápis de cor e giz de cera e pinturas com guache, para criar as suas imagens que depois de digitalizadas ganham colorido e textura especial. Depois, por Vânia ser uma grande incentivadora do trabalho da atual direção da instituição, diagramando com o seu talento todas as publicações da revista Vinhos e Versos.
.
Entre o romantismo da iluminação a fifó e a exposição, o interessante mesmo era se tivesse uma maneira de ficar com os dois. Chegou-se a pensar na criação de dois ambientes: Exposição no Arte Café e Recital (a base de fifó) no Sobrado. Contudo, a idéia de separar a exposição do recital não era bem aceita e na sexta-feira, quando já se estava admitindo o esquecimento da “iluminação especial”, optando por fazer os dois acontecimentos no ambiente substituto, prefeitura e companhia elétrica chegaram a um acordo e a energia do Sobrado estava sendo religada.
.
Com este acontecido, a possibilidade de ficar com o fifó e com a exposição foi concretizada. A direção da Casa da Cultura teve a feliz decisão de manter as luzes do Sobrado dos Nogueiras acessas durante um certo período, para que as pessoas vissem a exposição, enquanto tomavam o vinho. Depois, abruptamente a iluminação foi intencionalmente desligada, dando inicio ao recital, no ambiente que ficou iluminado apenas por dois candeeiros, previamente acessos. Agora era Vinhos, Versos, Velas e Vânia.
.
Sob a luz dos candeeiros deu-se início o recital de poesias. Roberto Martins, Fábio Calisto, Sérgio Ramos, Jucilene Cruz, Marilda Ramos, alternaram-se em suas declamações. Derrepente, a luz elétrica foi religada para que Vânia Medeiros fosse apresentada ao público. Lágrimas aos olhos, ela agradeceu a todos e disse estar gostando do acontecimento. Após as palavras dela, Roberto conclama pela volta das poesias e alguém pede: “Apaga a luz!”. Incandescentes desligadas, fifós acessos e o recital continua. Kitute de Licinho, Edma Lopes, Tone Coelho, Adriana Santana, Gilmar professor, Geildes Sueli e José de Lima, conhecido como Zé Ceguinho completam o grupo dos recitadores.
.
De posse da palavra, Zé Cego foi mais do que poético, foi revelador quando quis demonstrar o que sentia diante da arte de Vânia. Zé mencionou que não podia ver as imagens da artista, mas graças à ajuda e descrição de Edma (professora de portadores de necessidades especiais) ele podia sentir o que aquelas imagens transmitiam. Para demonstrar seus sentimentos, Zé relacionou os desenhos a uma poesia, recitando-a em seguida. “É preciso ver com os olhos do coração”, sentenciou Edma.
.
Olhares apaixonados, olhares poéticos, olhares artísticos. É de se imaginar o que estaria por trás do olhar do artesão Zé Nogueira, finalmente presente ao recital, junto com Dagmar sua esposa/companheira/artesã, apesar do avançar da hora. Certamente várias idéias, viagens, conceitos... mas nenhuma vontade de fazer uma intervenção. Até que Roberto anunciou a presença de Zé para o posterior aplauso dos presentes. “Zé, por favor, leia a poesia do seu amigo Juracy Paixão, publicada aqui na quarta edição da revista Vinhos e Versos” pediu o “Sr. Presidente” da CCI. Ainda assim, Nogueira não sentiu-se à-vontade deixando para Roberto recitar o “DesVerso do Paladar”.
.
Desta maneira se viu, se viveu e se verbalizou o quinto Recital Vinhos e Versos da Casa da Cultura de Irará. Um recital vivo. Pelos versos dos versejadores, pelo vinho vermelho, pela vinda de Vânia, pelo vislumbre da vela (diga-se candeeiros), pela vibração dos visitantes... Por tudo isto, um recital vigoroso. Mas do que nunca, marcado em “V”. Ironicamente, em romanos, representante do numeral “cinco”.
.
Veja trabalhos de Vânia Medeiros através do Link indicado neste blog.

11.5.07

Com Cidade de Deus, cinema volta a cidade nascida da luz*

Escrito na primavera de 2004, quando estávamos como presidente da Casa da Cultura de Irará.
.
Quando Zé Pequeno gritou: “Pega a Galinha ai, ô rapaz!”, a sala já estava cheia. E cada vez chegava mais gente. Logo, as poucas cadeiras que estavam vazias foram sendo ocupadas, e quem chegou depois começou a assistir o filme de pé. Assim o domingo, 14 de novembro de 2004, ia noite adentro, na maior sala de aula da Escola Municipal São Judas Tadeu. Àquela altura, transformada em sala de projeção.
.

Os cerca de noventa assentos disponíveis foram insuficientes, conforme era logo percebido por aqueles que ultrapassavam o portão da escola e viam alguns jovens, sobre suas bicicletas, observando através das vidraças. Na tela grande, Cidade de Deus, de Fernando Meireles, que já empolgou o Brasil e o mundo, conquistava os iraraenses, principalmente àqueles que ainda não o tinham visto. Alguns deles, talvez sequer tenham mesmo assistido qualquer outro filme na telona. Era o cinema de volta a Irará, como nos tempo de Sr. Olavo ou Zé Martins, o Zé do Rato. E se antes, a TV foi considerada a culpada pelo fim das salas de projeção nos pequenos centros urbanos, agora aqueles mais de cem espectadores pareciam se vingar da telinha. Eles preferiram sair de casa para apreciar um longa metragem num local público, junto a emoção e o calor humano dos seus conterrâneos.
.

Assim é a sétima arte. Enquanto muitos acusam a TV de isolar as pessoas em seus pequenos mundos residências e até desfragmentar o dialogo familiar, o cinema é tido como agregador e possui o poder magnífico de fazer as pessoas “viajarem”. Isso sem contar a característica de gerar o debate, de suscitar comentários. Conforme aconteceu ao final da sessão, era impossível não perceber as alusões feitas à obra. Até mesmo durante a exibição, um espectador mais exaltado repetia o personagem, “Dadinho é o caralho!”. Close, primeiro plano, câmera tremendo em cena de perseguição, gira o foco, gira a imagem e... lá está o público, concentradissimo! Gira pro passado, gira pro presente e a roda do tempo também faz girar o pensamento dos diretores da Casa da Cultura de Irará (CCI), levam-nos há meses atrás, quando aquela exibição era somente um sonho. Como diria Glauber Rocha “Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”. Equipamento e criatividade. A inventividade eles tinham de sobra, faltavam-lhes as condições.
.
Naquela noite, a vontade de fazer foi saciada graças à colaboração de alguns parceiros. O Cestão Celulares, representante em Irará da operadora Claro, foi fundamental para se ter o equipamento. Agradecimentos mil ao amigo José Carlos (Kakal). E o diretor da escola, Marivaldo Francisco, concedeu o espaço com grande benevolência. A Casa da Cultura torce pela continuidade destas parcerias, até que, quem sabe um dia, seja possível ter os seus próprios equipamentos e sala de projeção. De tal maneira a arte cinematográfica será viabilizada a quem tem dificuldades de acesso à mesma. E será mais confortável responder ao público, quando perguntarem ao final da exibição: “Quando vai ser e qual será o próximo filme?”.

* Em Irará há um quase consenso de este nome em linguagem indígena quer dizer: nascido ou criado da luz do sol ou do dia. No entanto há dicionário de tupi que classificam Irará como animal mamífero que gosta de se alimentar de mel. Existem também outras versões populares para o significado deste nome.

2.5.07

E lá se foi o Carecanto

enviado para iraraense@yahoogrupos.com.br em 08 de fevereiro de 2006.
.
.
Para muitos, talvez fosse apenas mais um bar da cidade. Para outros, um local memorável, onde devem ter acontecido muitos causos do Irará. A sua arquitetura não era exuberante, nem demonstrava grandes artifícios de beleza, mas conservava em si status de tempos de outrora, de saudades e recordações.
.
Na minha infância, costuma passar em frente aquele bar, nas idas e vindas no trajeto casa/escola. Sim, dobrar a esquina do Carecanto esteve, e ainda esta, no meu roteiro pelas ruas de Irará. Só que agora, não há mais o Carecanto, tão somente a esquina, de teimosa, insiste em permanecer.
.
Lembro-me de quão surpreso fiquei ao saber, por uma placa de sinalização, que ali no encontro entre Praça da Purificação dos Campos e beco de Sr. Elisio começa a rua Pompilio Santana. O beco é, portanto, um prolongamento da rua onde sempre morei, cujo itinerário passa pela a AABB e vai até o Loteamento José Barbosa Caribé. Tal Caetano em Sampa revela-me alguma emoção no encontro entre Pompilio Santana e Praça da Purificação.
.
Noutro dia cheguei por ali e nada entendi. A dura poesia concreta do progresso havia levado ao chão um marco daquela esquina, o Carecanto. A quadra dedicada à padroeira da cidade, noutros tempos denominada Praça do Comércio, já é pequena para as atividades comerciais. O comércio então avança Rua Cel. Coronel Elpidio Nogueira (antiga rua direita) acima, transformando, aos poucos, o patrimônio arquitetônico do centro da cidade em portas de chapas metálicas.
.
Na mesma semana foi derruba a antiga casa de Sr. Lúcio, próximo ao Banco do Brasil. Vale lembrar que onde hoje é a agência bancária, um dia funcionou, segundo relatos dos mais antigos, um belo prédio que abrigava a antiga prefeitura, namorada do jardim da Praça da Bandeira com seu coreto. Nesta mesma praça, na esquina de frente para o banco, onde um dia esteve a casa de Sr. Zé Freitas, com suas muitas janelas, surge uma nova Farmácia. A edificação já aponta o seu letreiro luminoso, disposto num enorme painel.
.
Loja farmacêutica é também o empreendimento a ser erguido no terreno onde um dia funcionou o Carecanto. Farmácia, junto a supermercado e funerária, parecem mesmo ser os segmentos comerciais que mais prosperam em Irará. Diante da evidência, um leve toque de sociologia parece avaliar o nível de vida na comunidade. Comer, adoecer, morrer. Não prosperam novas alternativas para os jovens. Não prospera o nível social iraraense. Não há políticas de valoração e construção do patrimônio arquitetônico e nem mesmo cultural. Nada!
.
Alguém tentou convencer o dono da Farmácia a não demolir a estrutura do antigo Carecanto. Mas foi em vão. O empresário foi reticente diante dos argumentos de que os traços da edificação dariam um charme a mais para o seu comércio, bastando apenas reforma-la. Argumentos rebatidos, o Carecanto foi ao chão. E assim foi desmanchado o cenário, escolhido pela TV para servir de fundo para a entrevista de Sr. Antônio Luiz, quando da produção do programa dedicado a Tom Zé, organizada pela afiliada soteropolitana da Rede Globo.
.
O Vídeo Tape da TV contem as imagens e a lembrança retém o balcão, os banquinhos giratórios e as prateleiras com as diversas garrafas de bebidas. É certo que o Carecanto já não era mais o Carecanto. A nostalgia estava presente somente no prédio, o qual deveria ser preservado, pois ao longo dos tempos o bar foi trocando de dono e até mesmo de nome.
.
A nomenclatura tradicional e já há algum tempo esquecida, foi resultado de um concurso. Uma disputa que na época empolgou a cidade e se revelou um evento sócio-cultural. Em meio a tantos nomes inusitados e até estrangeirismos, venceu o que homenageava o dono do bar ao traduzir a paragem como “o canto do careca”, daí “Carecanto”.
.
E pela “força da grana que ergue e destrói coisas belas”, o Irará a cada dia ver minimizadas suas características de cidade centenária. Já abordei esse tema num outro texto*. No entanto, acredito que sempre vale a pena lembrar. Ao menos enquanto ainda podemos e nossas mentes não forem alcançadas pela lógica do consumo, na qual, os valores éticos e estéticos estão sempre submissos aos financeiros.
.
*
A questão do traço arquitetônico da cidade foi abordada em “Centenária tradição memória efêmera”, publicado na Gazeta de Irará em maio de 2004.