29.12.08

Luta em prol da Igreja da Caroba já dura sete anos


Igreja histórica não é tombada e nem foi restaurada


Na tarde deste domingo, 28 de Dezembro, o Prefeito Juscelino Souza re-inaugurou a Igreja da Caroba como uma das últimas “inaugurações” do seu governo.

Festa e omissão de informações, como já acontecido nos casos da Rua 08 de Agosto e do Mercado Municipal.

Não é do meu conhecimento de que tenha acontecido uma completa reforma, muito menos obras de restauro na Igreja da Caroba. O serviço feito é mais direcionado para uma intervenção emergencial.

Intervenção está, aliás, só executada pelo Governo Juscelino, após muita provocação e mobilização dos movimentos sociais, conforme atesta relato de Kau Santana
[1]

O texto de Kau informa que a luta pelo restauro e tombamento da Igreja começou em 2001 por iniciativa de Aristeu Nogueira. Ao que parece, o atual Prefeito de Irará (agora em seus últimos dias de mandato) pegou bonde andando. E quem é carona não pode pousar de condutor.


Leia abaixo a integra do relato de Kau Santana:


HISTÓRICO DO PROCESSO DE SOLICITAÇÃO DO TOMBAMENTO E RESTAURAÇÃO DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO DA CAROBA
[2]


10/08/2001

Aristeu Nogueira encaminha carta ao IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, solicitando o tombamento e restauração da Igreja.

18 a 20/12/2001

Período de realização da inspeção técnica feita pelo arquiteto Francisco Assis Salgado Santana do IPHAN.

28/12/2001

Aristeu Nogueira recebe oficio nº 1.100/01 da então Superintendente da 7ª SR do IPHAN, Sra. Adalgisa Maria Bomfim, encaminhando o relatório de Inspeção Técnica da Igreja, elaborado pelo referido arquiteto, que concluiu pela necessidade de ser efetuada a proteção legal da igreja reconhecendo a sua importância histórica.

Nesse oficio recomenda o envio para o IPAC – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, da documentação sobre a Igreja, propondo o tombamento pelo Estado, e conclui louvando a iniciativa de Aristeu no sentido de buscar proteção para o importante imóvel.

24/05/2002

Oficio assinado por Aristeu Nogueira é encaminhado a Sra. Maria Adriana Couto de Castro, então diretora geral do IPAC, encaminhando documentos e solicitando o tombamento e restauração da igreja.

MAIO E OUTUBRO/2003

Movimento Cultural Viva Irará – MCVI encaminha ofícios ao Sr. Julio Braga, então diretor geral do IPAC e à Superintendente de Cultura. As preocupações colocadas referiam-se à defesa da integridade dos patrimônios relativos às igrejas da Caroba e de Bento Simões. Solicitava o tombamento da primeira e a restauração da segunda (já tombada). No oficio de outubro adicionou-se um pedido de socorro para salvar a Igreja da Caroba, ameaçada de ruir devido aos estragos causados pelas fortes chuvas que ocorreram no mês de setembro daquele ano.

2004

O MCVI juntamente com alguns moradores da Caroba organizou e realizou um evento/festa de largo na comunidade, com bingo, leilão, barraca de comidas e bebidas para angariar fundos com o objetivo de realizar alguma intervenção mais imediata no imóvel de modo a impedir o seu desabamento. Os recursos arrecadados, insuficientes para promover a pretendida ação foram depositados em conta poupança em conjunto (Associação comunitária local e MCVI), enquanto se buscava complementação e/ou outra alternativa para a solução do problema.


05/05/2005

O MCVI e a Associação Comunitária local mais uma vez solicitam intervenção do IPAC e consegue a vinda do arquiteto José Adolfo Roriz, que durante uma semana, desse mês de maio, realizou uma inspeção na igreja e produziu um relatório técnico e um orçamento para a restauração do imóvel.

11/07/2005

O MCVI recebe oficio nº 295/05, do então diretor geral do IPAC, Sr. Julio Braga, endereçado a Kau Santana (Pres. Do Conselho de Administração do Viva Irará) encaminhando o relatório Técnico e o orçamento para a restauração da Igreja. Em contato pessoal com Kau, o citado diretor adiantou que o órgão governamental não dispunha de recursos para bancar tal investimento, em torno de R$ 77.000.00.

Junho/2007

O MCVI e a Associação Comunitária local encaminharam oficio ao atual diretor geral do IPAC, Sr. Frederico Mendonça, com relato das tentativas de restauração até ali desenvolvidas para proteger a Igreja, solicitando a atualização do projeto de restauração e um orçamento para uma intervenção emergencial, no que fomos atendidos.

Julho/2007

Chegada a Irará do arquiteto, o mesmo de 2005, José Adolfo Roriz, do IPAC para nova inspeção da igreja e atualização do projeto de restauração.

08/08/2007

O MCVI promove mobilização da comunidade iraraense e realiza uma caminhada pelas ruas da cidade no sentido de sensibilizar e convocar os seus habitantes para se integrarem na luta pela restauração da Igreja da Caroba e preservação do que ainda resta do nosso patrimônio arquitetônico. Antecede a esta caminhada um trabalho nas escolas do município, de sensibilização sobre a importância da preservação dos poucos prédios antigos que ainda restam no município.

Fevereiro/2008

MCVI recebe relatório do IPAC com proposta de intervenção emergencial solicitada. O Viva Irará convoca um pedreiro e um carpinteiro e transforma a proposta em orçamento, chegando ao montante de R$ 5.500,00. Orçamento é entregue à Prefeitura, com pedido de uma breve resposta quanto à mesma assumir os referidos custos da intervenção emergencial. Pretendia-se realizar as obras antes das chuvas de inverno.

Março/2008

Passadas três semanas após entrega do orçamento à prefeitura e sem resposta, o MCVI e a Associação Comunitária local, sacam o dinheiro que tinham em poupança, no valor de R$ 1.747,58 e compra parte do material constante do orçamento. A outra parte foi obtida através de doações: telhas (Eduardo Portela), caminhão de areia (Adriano Paes Coelho), R$ 50,00 (Salvador/Dora), R$ 500,00 (Dr. Deraldo Portela). Com o material já adquirido fomos procurados pela prefeitura que resolveu assumir o custo da obra. Sugerimos então que assumisse a mão de obra, o que foi aceito.

Isso foi o bastante para circular entre a população local que a obra em realização na igreja é de autoria exclusiva da Prefeitura.

Próximas etapas: Pintura (depende de definição do IPAC), instalação hidráulica e elétrica e restauração dos moveis (para isso temos R$ 500,00).
[1] Ativista cultural, Kau Santana é um dos lideres do Movimento Cultural Viva Irará.
[2] Texto a mim enviado por e-mail dia 29 de setembro de 2008.

25.12.08

De um Natal a outro: Entrevista com Jong de Cerqueira

Jong de Cerqueira "aboiando" no Deserto da Califórnia


No Irará de hoje, poucos jovens devem ter ouvido falar em Jong de Cerqueira. Talvez nem mesmo seus pais. Estes, certamente conhecem Jonga de Nôca.

Conversei com Jong na véspera do Natal de 2007. O bate-papo aconteceu na varanda do “Artesanato Oh! de Casa” e contou com participação do anfitrião, Zé de Aristides.

O cantor, compositor e produtor musical contou algumas peripécias de sua carreira. A frustração das músicas de má qualidade que fazem sucesso. Suas produções em Portugal. Como usou da inspiração de um numerólogo para trocar o nome de “Jonga” para “Jong de Cerqueira”.

Falou também do clipe gravado com cenas feitas em Irará e na California - EUA. Os projetos musicais desenvolvidos na juventude iraraense, como o Concerto Baiano e Os Playboys da Bossa. A invenção de um personagem (Ricardo Miranda). E suas influências do vaqueiro aboiador.

O traço de inspiração no vaqueiro da fazenda, tão perceptível no canto de Jong, está presente até quando está conversando. Jong fala rápido, às vezes, ao tempo em que está falando um assunto, mal conclui a sentença, e já está em outro lá frente...
.
Assista clipe da música “Sonho de um Guerreiro”
[este clipe conta com participação de pessoas de Irará e cenas no Coreto e outro lugares do municipio]

Leia abaixo alguns trechos dos 40 minutos de conversa:


Aceitação do trabalho no Brasil

São Paulo é interessante, Rio de janeiro é interessante.... Uma vez eu fui abrir o show de Zé Ramalho em Uberaba, tinha lá dez mil pessoas e tal, mas o legal foi um show que eu fiz com um bandão lá no Festival de São Cristovão em Sergipe.

Esse tinha umas doze mil pessoas (eu e o Chico César). Esse foi bom. Um som pesado, uma banda pesada e trabalhando com uma boa equipe de apóio que parecia ter trezentos anos tocando...

Cultura baiana

Eu fui dá uma entrevista na TV Cultura e disse que havia acontecido um genocídio cultural na Bahia e que tinham decepado a cabeça da cultura. E as pessoas que fizeram isso, eles não tinham idéia da miséria que eles tavam fazendo, porque foram 20 anos decepados. Não adianta que você não recupera aquilo mais. Então foi uma época que morreu pra Bahia, a cultura. Porque nós (baianos) hoje estamos sendo motivos de risos do paulista.

Você não vê nada de novo. Você ver uma cultura pré-estabelecida, manipulada e que você ver um, ver todos, como se fosse assim um carrinho... “vumbora, passa, próximo, próximo, próximo (faz som como se fosse aboiando gado).

[Jong critica a cultura do Jabá, dos produtores que controlam a situação, etc]

Influências e caracterização de sua música

Eu trago células do rock, quer dizer, a minha música eu não sei nem explicar o que ela é. Porque ela veio lá da fazenda, de lá de Água Fria, do interior, Fazenda Paudarco, que pertencia a Irará na época. Ela veio de lá.

O boiadeiro, o vaqueiro que me ensinou a aboiar veio de Água Fria (que era Miro Boiadeiro), os outros vieram da fazenda que não sabia nem ler, nem escrever e andava descalço.

E eu trouxe essa influência do Rock Progressivo Pesado no meio de tudo isso. Então o canto é latino, porque também não adianta o novo fazendo o velho, como diz o Tom Tavares da Rádio Educadora...

Disco pra descontar no Imposto de Renda

Chegou o momento que pensei: “tô cansado, vou parar”. Aí surgiu o negócio do movimento da lambada. Eu falei: “mas isso eu já fazia há dez anos!”. Lembra? Jonga e Damasceno? [pergunta para Zé Nogueira que rir e faz sinal afirmativo]. Aquela história de “... birô/birô- birô/birô / eu quero ir às galáxias...” [cantarola].

Aí eu Falei: “vou fazer um disco desse, porque eu tô duro e vou pegar um dinheiro”. Não era pra valer nada mesmo, era para descontar no imposto de renda. Mas não é que eu fiz o disco e o cara da Gravadora Continental lá disse assim: “isso é pra descontar no imposto de renda”. Eu olhei pra cara do cara...

Mas fazer o que né? Comemorar lá embaixo, porque eu também não tava ligando, porque o disco era uma merda. Mas não é que chegaram os franceses levaram dois fonogramas, botaram o disco no álbum e “boom!”, minha música estourou em Paris.

Aí fui fazer o trabalho de lambada, quando chegava lá na Europa, por exemplo, morei na Alemanha dois anos, fui pra Portugal, fui produtor de discos, lá na Som Livre, na Globo e tal, trabalhei tudo que é canto...


Nasce “Ricardo Miranda”

Eu fui pra Portugal. Aí em Portugal, mais revoltado ainda porque ninguém bancava e quando eu mostrava ninguém queria ouvir, eu falei: “Vou criar um personagem mais brega do que Waldick”.

Já produzi a Rosa Neir, já produzi a Eva Campos fazendo música brega, ela ganhou o disco de prata. Ai falei: “O povo daqui só quer isso”. Foi em 82, eu pensei: “O povo daqui tá mais atrasado do que no Brasil nos anos quarenta”.

Eu digo: “Ah é!?”. Aí fiquei puto. Peguei uma rosa botei aqui [faz gesto como se fosse a lapela de um paletó], botei um chapéu e disse: “Vou fazer uma música brega”. Peguei uma música de não sei quem e fiz.

Não é que estorou? Aí eu digo: “Que azar!”. [Muitos risos de Roberto e Zé Nogueira] “De novo cara!”. Estorou bicho e eu ganhava dinheiro como água. Aí eu tomava meia garrafa de wisk, puto - quer dizer frustrado, bêbado no fundo do palco cantando: “encosta a tua cabecinha...” E o povo “Ahh!” [ faz gestos de fã em aprovação com os braços]

Ricardo Miranda era um personagem da novela da Globo. Um cara que parece que tem o meu biótipo. Era um cara cheio de mulheres. E eu peguei o personagem...

Aí quando eu chegava numa rádio o povo: “Ricardo Miranda! Ricardo Miranda taí! Ricardo Miranda!”. Ai a mãe dele [aponta pro filho Gabriel] dava risada. “Jonga que porra é essa? O Pessoal tá desesperado”. A música estourou em dois meses. Foi dois meses assim.

Eu digo: “Meu Deus! Não é possível. Eu to fudido”.

Aí eu pegava rosa, jogava rosa pro povo, bêbado. Beijava a rosa. Aquelas veias dizendo: “Ricardo Miranda” [imita voz de banguela]. Bicho! Era tanto show, tanto dinheiro, que eu não sabia o que fazia.

[segundo Jong o personagem “Ricardo Miranda” era interpretado pelo ator José Mayer]

Indagação porque a própria música não deslanchava

Quer dizer; tudo que eu fazia dava certo, menos minha música. Aí Tom Zé disse assim pra mim: “Você é um felizardo, porque você sabe fazer essas coisas [música de apelo popular], tem saída, eu não sei fazer nada só sei fazer isso [referindo-se a música de mais qualidade]”.

Um português como mecenas

Quando eu tava pra desistir, “vou-me embora dessa merda, essa música não vale é nada, esse povo ta querendo me enganar”, mostrei meu projeto para um português. Aí o português disse: “vou bancar você”.

Ele pagou sessenta mil dólares para fazer um disco até com (?), esse disco [A Dança da Floresta] que fez o clipe na Califórnia, fez MTV e tive de lançar aqui [refere-se ao clipe da música “Sonho de um Guerreiro”.

Aqui quis lançar uma gravadora. Faliu, porque o pessoal tava despreparado para aquilo. (...)Armandinho disse: “Essa música tá a vinte anos na frente bicho. Como é que tu quer botar uma música dessa agora?”.

Mudando o nome pra Jong

O nome era Jonga. Ai tinha um cara chamado Jonga que era pagodeiro lá em Salvador. Eu digo assim: “vai queimar”. Nego: “Jonga!”. Ai eu falei “não”. Fui pro numerólogo e aí falei “vou tirar o ‘a’” e botei “de Cerqueira” que é de família. Então ficou assim um nome bem estiloso: “Jong de Cerqueira”. É forte.

Roberto – Mas fala “Jong” [meio que pronunciando no inglês meio como JHONG] ou Jong [JONG como aparece a grafia em português] ?

Jong – Jong de Cerqueira [ mais para a pronuncia do inglês]
[ risos e mais risos de Zé Nogueira]

Roberto – Foi o numerólogo que mandou você tirar o “a” ou foi você mesmo que...

Jong – Não, o numerólogo... Eu fui lá no numerólogo. Ai ele me deu aquela coisa de numerologia e eu disse: “eu mesmo vou estudar isso, eu mesmo vou fazer”.

Roberto – Você mesmo foi o numerólogo.

Jong – É... eu e a mãe de Gabriel que fizemos juntos [ risos ]

“Não, não! Esse número não, que dá errado aí! Aqui dá fortuna, dá não sei o que...” Aí fizemos e eu falei: “Então tá bom esse aqui”. Aí eu medi Jong de Cerqueira, eu falei: “é esse aqui, agora vou parar aqui”.

Roberto – Você acha que melhorou com a mudança de nome?

Jong – Rapaz, eu não sei se melhorou não, mas eu tô feliz porque eu faço a música do jeito que eu sempre quis fazer. Eu levei quarenta anos estudando isso.

Sobrevivendo com a música que gosta

Uma vez melhor, outra não melhor... Eu não tô ligando pra isso não. O importante de tudo isso é você tá feliz consigo mesmo. Você olhar pra você e dizer: “Eu tô feliz?”. Você acordar de manhã e dizer assim: “Porra, tô feliz!”.

Antigamente eu tava vindo de Portugal, eu tava cheio de dólar, de uma maneira bicho. Eu olhava pra mim e dizia assim: “Mas o que é que eu vou fazer hoje meu Deus? Eu vou gastar fazendo o que?” [ risos de Zé Nogueira ]. Já não bebia mais, porque não agüentava mais. Eu bebia todos os wisk melhor do mundo, já não agüentava mais. Então eu digo: “Mas o que é que eu vou fazer com isso? eu tenho que detonar”. Mulheres do cassete, eu já não agüentava mais, não sabia o que fazer.

Aí sabe de uma, eu não tenho saudade daquele dinheiro, é um dinheiro maldito. Olhe, quem ouvir o meu conselho não vai por aí. Seja fiel a você mesmo, pronto. É o que eu tenho pra mandar. Seja fiel aos seus princípios que você vai ser feliz. Você quer ser um lixeiro? Vá!

Grupos em Irará

Aquilo ali [o Concerto Baiano] foi uma experiência muito boa. Eu e Damasceno ali, a gente botou pra quebrar, foi ótimo, foi ótimo aquilo ali. Uma época interessante, a gente arrepiou, pintou o sete.

(...)

Tinha banda aqui. A gente tinha conjunto aqui, não me lembro que conjunto. Era eu, Val de Guga, Aniceto, Alfredinho, tinha Quincas do bar, Aloísio trompete...

Era os Playboys da Bossa. Eu tocava acordeom, depois tocava guitarra, era cantor... Tocava em bailes por aí a fora tudo.

Roberto – Foi nessa época que surgiu o “Eu quero ir às Galáxias” ?

Jong – Depois disso. Me expulsaram do conjunto. Ai eu me juntei com Damasceno, Diógenes, Bebeto... A gente se juntava todo mundo, e aí a gente montou esse disco.

(...)

Aí criou a história, espalhou que eu ia fazer um novo conjunto. Um auê na cidade. As mulheres tudo em volta da gente, que a gente era boa pinta. [risos]

Roberto – Mas não chegou a fazer um novo conjunto?

Jong – Não. É que foi só... daí saiu pro Concerto Baiano.

Roberto – Que era um conjunto?

Jong – Era. Era uma dupla, eu e Zé Damasceno.

Roberto – Ah... Você e Zé Damasceno.

Jong
– Era.

Roberto – E aí vocês gravaram o “Eu quero ir às galáxias” ?

Jong – Gravaram. Tocou muito aqui, chegou ainda a primeiro lugar ainda...

Roberto – Gravou um disco mesmo ou só essa música?

Jong – Não. Gravei as duas, era um compacto o disco.

Roberto – E esse compacto tocou nas rádios...?

Jong – Tocou. Feira de Santana não parava de tocar, em Salvador, Rio de Janeiro, tocava lá também, bastante.

Cassino do Chacrinha e viagem com Toiíto

uma vez eu fui pro Chacrinha mais um primo meu Toiíto. Tu lembra de Toiíto? [pergunta pra Zé]. Rapaz foi incrível aquilo ali. Fomos tocar em Chacrinha e ganhamos. “Xô xua, cada macaco no seu galho...” [ cantando ]

Ai nós vimos de lá pra cá. Eu fui pra São Paulo com Toiíto, eu era moleque, Toiíto já era formado em Sociologia. Toiíto passando uma fome do cassete, eu também, no meio da história, não podia dizer a papai que tava mal também... “Você volta Jonga?” Eu falei: “Eu não vou voltar nada”. E aí no meio do caminho a gente vinha embora e tal. No meio do caminho, faltou comida bicho e Toiíto começou a ficar amarelo. E a gente: “Cara!” Eu falei: “Bicho, Toiíto não vai agüentar” Eu era jovem, muito forte, lutava box. Toito seco, habituado a tomar pau da época dos comunistas.

Tropicalistas e consciência musical

É tanto que Caetano, Gil e Betânia estavam no Teatro Vila Velha, fazendo esse movimento que mais tarde se tornou o Tropicália. Que Tom Zé cantava: “Bate macumba êêh êêh/ bat macumba êah/ ..”. [ canta ]. Eu falei: “Tom Zé, essa música é boa”. “Retocai o céu de anil...” [ canta ]. “Boa!”.

Depois ele me cantava uma outra, que eu falei: “Tom Zé, eu não gosto dessa música não”. Ele cantava uma de Caetano também que eu não gostava, e mais tarde (?). Mas é porque eu tava habituado... Era cantor de banda de baile. Imitando Roberto Carlos, Jerry Adriane, não sei o quê.

Roberto – Foi o quê, conseqüência da vida, você não se incorporou ao grupo do Vila Velha na época?

Jong – Não. Eu era menino, não tinha consciência nenhuma. Eu era um borra botas bicho. Eu era um moleque, tomador de cachaça, que cantava numa banda de baile nem sabia que porra era nada. Comecei a ler livros comunistas, que a filha de João Santana me deu...

Aí comecei a tomar consciência daí. Mas eu era um moleque. Tom Zé já era... Eu tocava aquelas besteiras de banda de baile, só. Anos mais tarde, depois do Concerto Baiano, depois que eu comecei a fazer... Aos vinte e três anos. Larguei o Concerto Baiano por aí.

Aí quando deu vinte e cinco anos à vinte e sete, é que eu comecei a tomar nova consciência de uma nova música. Eu comecei a fazer shows. Fiz um trabalho aqui na fazenda em Água Fria, na Fazenda das Árvores... Foi aí que eu vim tomar consciência de uma nova música. Ai é que eu vim fazer...

Galvão dos Novos Baianos residindo em Irará

Galvão chegou aqui por que foi ser Engenheiro da Ancarba.

Roberto – Ancarba era o quê...?

Zé Nogueira – Ancarba era o que é hoje a EBDA.
Jong – E Galvão doido. Se juntou comigo e Diógenes...

Roberto – Engenheiro Agrônomo ele?

Jong – É. Ai começou a falar de música, não sei o quê, não sei o quê...
Mais tarde trouxe Morais Moreira aqui, e foi que juntou os dois aí.

Zé Nogueira – E criou um time de futebol de salão.

Jong – Criou o time de futebol de salão... Ai depois ele foi pra Salvador. Quando foi em Salvador disse: “Quem vai me visitar? Macaco 24” Que era no Largo 02 de Julho. Eu fui pra lá, pronto, era uma vez... Nunca mais eu vi Moreira. [risos]

(...)

Nossa!! Muito inteligente. Simples! Todo mundo gostava dele aqui. A juventude toda...

A juventude gostava dele sabe por quê? Por que geralmente quando os doutores chegavam aqui, ficava o Juiz, Promotor... O doutor da Ancarba... E ele não era nada disso. Ele botou pra quebrar! Botava dez pessoas naquele jipe dele. O jipe todo descabelado [ risos de Zé Nogueira]. Ai a mulher da Ancarba que era chefe, ficou puta da vida, foi denunciar ele, botaram ele pra rua. Foi aí que ele disse: “Eu não vou ser empregado mais de ninguém!”. Pegou Morais, que ele tinha uma fábrica de granito, e botou o primo dele pra tomar conta, e sustentava ele de lá da Bahia.

No programa de Raul Gil

Um dia eu to lá num restaurante, com um amigo meu que tava fazendo um show, encontro a secretária de Raul Gil. Ai comecei a falar que eu fui na Califórnia... ela disse: “Você tem o que?”. Rapaz!

No outro dia a mulher enlouqueceu! Ligou pra mim: “Tome meu celular, meu diretor disse que você tá na pauta, não sei o quê”. Bicho, não me largou mais.

Ai eu fui lá fazer. Falei: “Cara... Se esse pessoal... Se os gaiatos aqui disser que não gostou...”. Foram cem mil dólares bicho gasto ali...

Roberto – Mas lhe colocaram no quadro dos calouros né?

Jong – Não! Não é calouro aquilo não. Boca do povo. Você tinha um disco. Você era novo e tinha um disco. Ai chegava lá e dizia assim: “Vai pra boca do povo ou boca do forno?”. Você tinha que ter um disco. Se todo mundo dissesse: “Boca do povo”. Você voltava semana que vem, cantando como convidado especial. Se não, você ia embora dali e acabou a história. Não tinha nada de calouro ali. E eu cantando a minha música: “A dança do índio”.

Acontece que eu dei uma rasteira em todo mundo ali, que nego ficou com medo até de falar alguma coisa. Falava e ficava com medo. De falar alguma coisa e tá falando bobagem. E eu falei logo que aquilo era um trabalho sobre (?)... Que era um trabalho sério. Que vinte pessoas tinham se suicidado e que ninguém tomou providencia. Que tinham roubado a identidade do índio... E não sei o quê.

Roberto – Esse acidente foi de onde?

Jong – Goiás. Vinte jovens de dezenove anos que começaram a se matar e de repente dezenove de vez se matou. E ninguém procurou saber.

Ai eles ficaram tudo cabrero: “Pô, esse cara chegou aqui”. Pronto. Os caras me botaram na outra semana seguinte e pronto. Eu falei assim: “Então...”.

E o cara me botava, eu ia cantar uma música, os caras tudo: “Não pêra ê, canta mais uma”. Nego paga trinta mil reais, quarenta, pra fazer ali, eu não paguei um centavo, e o cara puxando o meu saco daquele jeito! Eu digo: “Porra! Tô com a bola aqui viu!”. Eu falei com Raul: “Raul... Porra, o que isso aí?”. “Ah não! você é maravilhoso, você é um sucesso!”. “Porra! É mesmo Raul?”. “É”. Eu disse: “Porra!”

Zé Nogueira – Botou o cara lá em cima o Raul né?

Jong – “O que ta acontecendo aqui?!”. Ai ele: “Â!” [susto]. Eu digo: “Aqui, talvez seja o princípio do movimento cultural que o Brasil está precisando! É muito sério isso aqui”. Ai ele... [muitos risos de Zé Nogueira]... Eu tenho o DVD.

Roberto – Ai voltou na outra semana.

Jong – Voltei. Tocou em cento e vinte sete países. Depois falei: “Vou quetá”.

Roberto – Cento e vinte e sete países é o que? A transmissão do programa?

Jong - Cento e vinte países viram a transmissão do programa simultânea. Ai eu falei: “Vou parar um pouco com isso daqui, que eu já sei que dá certo”. Porque eu tenho que fazer um trabalho conjugado. Eu não posso fazer um trabalho se não há realmente sustentação ainda econômica pra isso.

Desconhecimento do trabalho em Irará

Rapaz, eu achava que ninguém nem sabia quem era eu mais! Eu fiz um clipe aqui em Irará. O clipe que eu fiz, que eu fiz uma metade na casa de vó, eu fiz aqui em Irará. O prefeito chegou botou aquelas coisas, veio a Burrinha...

Roberto – O prefeito na época era Antônio Campos...

Jong – Não me lembro quem era não. Mas foi gente boa, me tratou muito bem. Mas ninguém fez nada não...

Roberto – Inclusive, ele fez uma ponta no clipe né?

Jong – Fez. Mas eu não me lembro de mais nada, de ninguém ter feito proposta nenhuma e achava que ninguém ia se interessar por minha música.

[O Prefeito da época era mesmo Antônio Campos que aparece no clipe como um dos cavaleiros, usando o seu costumeiro chapéu]

Ainda vai às galáxias?

Que... Aquilo ali é coisa do passado. Eu era moleque ali. Moleque que era fumador de maconha e tudo. Era só isso naquela época. Hoje mais não. Hoje eu sou um senhor... Pai de Gabriel, um cara sério...

Tem noticias ou acompanha o Irará de hoje?

Não. Nada, nada. Eu gostaria até. Gostaria mesmo. De abrir uma “bandão” pesada. Se eu visse uma banda moderna, jovial. Eu até, de repente, podia fazer até alguma coisa, sei lá.

Roberto – No mais, é uma visita aqui à família uma vez por ano...

Jong – Só, só. Não. Que nada. Tem não sei quanto tempo que eu não venho cá em Irará. Às vezes eu passava dois anos, três, sem vim aqui. É só isso.


Também trabalhou na transcrição de entrevista Katiene Suzart
Foto: Proviniente do site da
Atividade Produtora -
Vídeo disponivel no Youtube

Agradecimentos:
Ao amigo Eloy e também a Jaciara e Iracema, irmãos de Jong e a Sr. Nôca, pai, que possibilitaram o encontro para essa entrevista.
À Zé Nogueira pelo local da entrevista.

10.12.08

Festa pra Melânia

Dona Melânia na Lavagem 2005


Fim de tarde, início de noite. A movimentação é grande. A essa altura dos acontecimentos, todos já sabem que vai chegar mais uma conterrânea ilustre. Na porta de espera, Sinhá Inácia comanda a arrumação.

É preciso que todas as baianas que a acompanham estejam sintonizadas, alegres, bem vestidas e com os potes de água de cheiro preparados. Lá também está Dadaí, com seu pote de água de cheiro, após preparar toda a massa dos bolinhos de acarajé.

As peças de chitão, que Tom Zé nos contou que foram compradas por Pedro Pinho Brejão, já não estavam dando pro gasto. A ocasião pede nova indumentária. Corre-se para providenciar tecidos novos com Sr. Teófilo, chapéus com Sr. Everton e Edson Barbosa.

Poderiam procurar por Caribé também, mas este há muito não lida mais com loja de roupa. Agora é bem provável que esteja em algum lugar abrindo um novo loteamento para servir ao progresso local.

Enquanto isso, no local da recepção, Sinhá Inácia dá seguimentos aos preparativos. Louro de Hospício lhe garante que a ornamentação sai a tempo e que vai ficar uma coisa linda, como bem merece a homenageada.

A agonia é grande. Pede-se a alguém para ir depressa buscar pregos em Sr. Lúcio. Seu Filas já prepara os foguetes. Os demais fogos serão comprados uma parte em Zé Vermelho e outra na loja de Zé Aristeu.

O “escritor das coisas de Irará” já nem pode dá muita atenção a seus clientes. Neste momento ele se ocupa na redação de um texto falando da história e trajetória da homenageada.

O professor e compadre Planzo, poeta e também escritor, está presente no ambiente. Faz cara de pensativo, alisa os fios de sua longa barba branca, toma uma dose de run e lembra-se de ir buscar a sua objetiva.

É preciso registrar esse momento. Pouco importa se depois alguém deixem os fotogramas abandonados em algum lugar, numa caixa de sapato qualquer.

Hora da passagem de som. Alfredo da Luz prepara o seu trio. Testa daqui testa de lá. O som funciona e pára em seguida. Alfredo resolve conferir todas as ligações feitas.

Está junto com Alfredo da Luz um jovem bastante prestativo. Trata-se de Kong que agora trabalha em parceria de Alfredo, colocando a disposição toda a sua experiência de roddie e eletricista, antes a serviço das bandas e eventos escolares de Irará.

Logo os dois percebem que não há muito que fazer. Não se trata de colocação de cabos. O problema é o velho amplificador de Alfredo, ainda de válvula, que resolveu pifar. Justo nesta hora.

A solução não tarda. Alfredo se lembra que Zé do Rádio também já habita aquelas plagas. Ele sabe que Zé não se negará a atendê-lo, só porque já passou a hora do expediente.

Um tempo depois o problema é resolvido. Peça para aquele aparelho antigo, só poderia mesmo sem encontrada na Oficina de Zé. Agora com o trio funcionando a contento acabaria os boatos de que não haveria música na festa.

Quem estava de olho na boataria de que o Padre não permitiria a celebração era a Professora Lourdes Ferro. Lurdão já elaborava mentalmente algum panfleto contra os poderosos da cidade, quando ficou claro que a Igreja não era contra o evento.

Boataria sem sentido. Quem seria contra as homenagens? Afinal, todos sabem que pela sua fé, devoção e alegria, a homenageada merecia não só uma festa, mais duas: a religiosa e a profana.

Festa garantida, Lurdão então decidi ocupar-se com o último ensaio do grupo de teatro. A peça a ser encenada conta a trajetória da Lavagem de Irará. O destaque é para a homenageada, porta estandarte da festa por setenta e seis anos, tendo assumido a função desde os doze anos de idade.

O último ensaio é acompanhado de perto por Dr. Aristeu. O velho comunista, já tinha demonstrado para Deraldo Bacelar, Antônio Maurício e Rogerinho, além de outros companheiros de Casa da Cultura, as suas preocupações quanto ao possível relaxamento do pessoal.

Despreocupados estão Roque irmão de Pinga e Cau Paes Coelho. Cada um numa barraca. Em meio a toda a agonia, um conversa sobre futebol, o outro sobre política. Jogam conversa fora enquanto tomam umas cervejas e observam Amaral, Aniceto e alguns outros músicos, afinando os instrumentos da Charanga.

De repente, lá vem um carro apressado. É Murilo acompanhado de Tainá. O casal está indo guardar o veículo para voltar e curtir a Lavagem. Essa, certamente, deve ser a maior de todas as que acontecem todo mês lá porta do céu.

Em contrataste com a pressa dos jovens eufóricos está a Professora Lourdes Portela. Ao saber da notícia, a professora Lourdes deu um tempo na leitura do jornal, repousou-o ao lado do dicionário e se manteve pensativa. Parece distante do assunto contado com entusiasmo por D. Nilzete Maia.

Nilzete recorre a poesia de Manuel Bandeira, ensaiando a mesma homenagem que lhe fora feita:

Melânia preta
Melânia boa
Melânia sempre de bom humor

Imagino Melânia entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Melânia. Você não precisa pedir licença.

A festa já esta pronta e sem hora para terminar. Todos só esperam a presença da grande guerreira. Baluarte e referência da mais tradicional festa de Irará, como nós lembra os versos do cordel de Kitute de Licinho.


“Nossa porta estandarte
Mulher de garra e guerra
Inicia a festança que cedo
Não se encerra
Não tem Canô nem Betânia
Quem manda é Mãe Melânia
Na lavagem dessa terra”

Quem por muitos anos comandou as Lavagens da terra Irará, agora segue pra, junto a Sinhá Inácia, comandar as Lavagens do céu. Antes, durante a Lavagem 2008, cumpriu a missão e passou o estandarte à sua sucessora, Maria Helena.

A música de Tom Zé anunciou:

“Melânia porta-bandeira
Com mais de cem companheiras
Lá vem puxando o cordão
Com estandarte na mão”

Pronto. Melânia chegou! A festa pode começar. Após uma tarde de chuva, o céu de Irará estava num colorido bonito. Um quase vermelho intenso em plena noite, como que refletindo a festa que todos faziam lá por cima.

Na manhã, do dia 10 de dezembro, enquanto lá em cima seguia o cortejo da Lavagem, aqui embaixo passava o cortejo fúnebre.

Estandartes à frente simbolizavam grupos da Igreja. Sobre o caixão um estandarte da Lavagem. Um outro, nas mão de Maria Helena vestida de baiana, abria o cortejo.

Acompanhavam amigos, parentes, admiradores e muitas pessoas que chegaram ao mundo pelas mãos da mais tradicional parteira de Irará. Se por aqui, havia tristeza e saudades, no céu só poderia haver festa em receber tamanha personalidade iraraense.


PS – O fato de imaginar uma sobrevida lá no céu, formando uma comunidade pelos que se foram, sempre serviu para confortar os que ainda permanecem na terra e sentem saudades.

Diante da notícia do falecimento de D. Melânia, transmitido por Lú de Rege; a constatação de Zé Nogueira, de que Irará perde mais uma referência; da observação de Kakal de como estava o céu naquela noite; e da lembrança de Patrícia, da recepção de Sinhá Inácia no céu, narrada na música de Tom Zé; acabei contando a história acima (claro que tinham muitos e muitos outros nomes a serem relatados, mas infelizmente na hora da escrita, acabam fugindo).

Foto: Tomada de emprestimo em www.irara.com


11.11.08

Diante da Vera Felicidade

Aquele outono em Salvador tinha ares de verão. Apressado, desci do ônibus e, por entre prédios numa daquelas ruas com nome de alguma Unidade da Federação, no Bairro da Pituba, procurava pelo endereço anotado.

Confirmação com o porteiro, identificação, interfone. Tarde ensolarada de 30 de abril de 2007, estava apostos para mais uma das entrevistas que fiz para a monografia sobre a militância política e cultural de Aristeu Nogueira Campos.

A entrevistada era Vera Felicidade de Almeida Campos, filha de Aristeu e Odete Almeida. Neta de Elpidio Nogueira e Ubaldino Almeida (Pitaco) referências política e intelectual em Irará.

Naquela entrevista, com a primogênita de Aristeu Nogueira, buscava por novas informações e confirmações. A intenção era igualmente me certificar de fatos já mencionados em livros ou nas conversas anteriores com Diógenes e Mariana de Almeida Campos, também filhos de Aristeu.

O papo fluía com facilidade. Fatos da família Nogueira, os primeiros anos da infância de Vera em Irará, a juventude entre perseguições sofridas pela família do comunista Aristeu...

E a história avançava... A ida de Vera para o Rio, o encontro com o pai na clandestinidade, a luta para tirá-lo dos porões do Doi-Codi, entre muitos outros fatos e acontecimentos.

Num dado momento - quase no final da entrevista de cerca de duas horas - dirijo-me a Vera com uma pergunta, um tanto quanto provocativa, acerca dos resultados do comunismo e mais especificamente com relação à militância cultural de Aristeu em Irará.

Diante da Casa da Cultura hoje desestruturada e sem apoio, o Arquivo Público – criado com tanto sacrifício – destruído, entre tantos outros exemplos, perguntei-lhe: “Foi em vão a luta de Aristeu?”

Daí a entrevista virou uma mine-palestra. Vera passou a me expor o pensamento de que a vida não deve estar limitada ao pragmatismo, à busca de resultados. Falou-me da importância de avaliar o processo e as conseqüências dele.
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A conversa foi avançando com exemplos. Ela abordou que se avaliássemos o comunismo pelo fim da União Soviética, talvez não percebêssemos a importância dele como tal, tendo uma espécie de pensamento de que “deu em nada”. Por outro lado, observando o processo e o andamento do movimento, podemos ver quantas conquistas o comunismo obteve. Entre elas, o fato de ter sido importantíssimo e decisivo para conter a insanidade de Hitler.

O mesmo pensamento para a Casa da Cultura. A conjuntura atual, nada pode dizer diante do trabalho feito, das conquistas e realizações para Irará, desde a criação de órgãos como a Biblioteca Pública Municipal, até o fato de ter sido razão de influência para pessoas que hoje lutam pela cultura no município.

Saí de lá com a reflexão sobre o assunto e a curiosidade de conhecer mais o trabalho da Psicóloga Vera Felicidade. Dias depois, acessei o site:
www.verafelicidade.com.br
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Home page do site de Vera Felicidade
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Bisbilhotando a página, entre as teorias e os livros de Vera, me deparei com um arquivo de matérias e entrevistas concedidas aos jornais A TARDE e Correio da Bahia.

“Não há regras, o que nos define é nossa relação com o mundo, com o outro e conosco. O ser humano não é bom, nem é ruim, mas tem o infinito dentro de si, que é a possibilidade de se relacionar.” (Correio da Bahia – 19 de junho de 2002)

“Quando ele ver que pode mudar de percepção, deixar de viver em função das necessidades, passa a viver as possibilidades e descobre que não há meta, não há resultados, o importante é existir” (idem)

“Quando esta relação [homem – mundo] é vivenciada como possibilidade, o mundo é consequentemente ampliado, tanto quanto as perspectivas humanas; quando esta relação é vivenciada como necessidade, amesquinha-se o humano, e o mundo é transformado em sua prisão, controlada por desejos e medos” (Caderno 2 - A TARDE - 19 de junho de 2002)

As citações acima, colhidas em matérias sobre o lançamento do sétimo livro de Vera, intitulado A Questão do Ser, do Si Mesmo e do Eu, lembraram-me do que me foi dito pessoalmente.

Novidade para mim foi algumas outras informações sobre Vera que fui aos poucos descobrindo na leitura das matérias disponibilizadas no site.

Vera Felicidade, formada em Psicologia pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – é criadora da Psicoterapia Gestaltista. Esta teoria psicoterápica, exposta em seus livros, foi desenvolvida com base nos estudos dos gestaltistas clássicos da gestalt psychology, como Koffka, Koehler e Wertheimer que entendem o comportamento como um processo perceptivo.
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Tentando falar de modo simplório, da forma que eu entendi, é quase como aquela coisa da relação figura-fundo da Teoria da Gestalt. Aquelas imagens que vemos e, muitas vezes, não sabemos qual a figura e qual o fundo, sendo que a definição vai depender do nível de percepção de cada um.


Figura x fundo: uma taça ou duas faces?

Então, de forma grosseira, posso falar que percebi a gestalt psychology como a aproximação entre alguns conceitos da gestalt e a psicologia. E Vera Felicidade então criou uma forma terapêutica com base nestas teorias e na relação do ser com o mundo e suas milhares de variáveis.

“Todo relacionamento gera posicionamentos, geradores de novos relacionamentos, que por sua vez, geram novos posicionamentos, indefinidamente” (A TARDE – 16 de maio de 1988).

Este é mais dos pensamentos da psicóloga Vera Felicidade, nascida em Irará e que, conforme apontam a matérias de jornais públicadas sobre o seu trabalho, “revolucionou a psicologia ao negar a idéia do inconsciente”; “é considerada o maior expoente em sua modalidade terapêutica na América Latina”; “e tem no curso de Psicologia da UFBA uma disciplina que leva seu nome: A psicoterapia Gestaltista de Vera Felicidade”.

Numa citação do disco Brasileirinho, Maria Bethânia diz que: “Felicidade se encontra em horinhas de descuido”. Antes de religiões, bens materiais, realizações sociais ou quaisquer outras coisas, também acredito que a tão almejada felicidade pode estar nas coisas simples, no óbvio, como descrito por Caetano na Letra de “O Índio”.

E foi pensando nisso, nas metas e resultados e nos processo vividos ou a serem vivenciados no futuro que lembrei daquela entrevista.

“É o processo...”. Estar diante de Vera Felicidade me pensar em perceber assim. Quem sabe ali, diante da Vera Felicidade (para usar “de + a” como fazem os paulista a se referir a alguém) eu não estava diante (próximo – pelo q me foi feito perceber) da vera (de verdadeira) felicidade.

Aquela entrevista pode ter sido o começo da percepção de que talvez devamos nos concentrar no processo, na relação com o ser e o mundo. Esqueçamos dos temores: “vai dá certo?”. Não tem tanta importância. Talvez pensando o resultado apenas como conseqüência e não causa poderemos ser mais felizes.

2.11.08

Rasgando seda pra Rogério Duarte

Ele é conhecido como o Designer do Tropicalismo. Há muitos que dizem que na verdade, ele foi além. Consideram-no um dos teóricos do movimento. Contudo, foram as imagens produzidas por Rogério Duarte que caíram nas graças do público e o tornou conhecido.
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O trabalho dele está em muitas capas de discos, como em alguns dos primeiros de Caetano e Gil; em marcas de instituições, a exemplo da TVE; e em cartazes de filmes.
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Entre os anúncios feitos para a sétima arte, está um dos trabalhos de maior destaque de Rogério: O clássico cartaz, do também clássico filme de Glauber Rocha, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. A referência à obra é tamanha que, às vezes, ela serve até como cartão de apresentação quando se fala do Professor Duarte.
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“Você conhece Rogério Duarte? Aquele do cartaz de Deus e o Diabo!”
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Tive a felicidade de ter sido aluno de Rogério na Facom-UFBA. Não tinha pretensão de ser designer, nem tampouco me matriculei numa disciplina da área. A matéria cursada foi “Comunicação e Arte”, de cunho teórico.
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Só que eu não estava ali somente para discutir os clássicos textos dos grandes teóricos da arte. O meu maior interesse, ao fazer aquele curso, era ouvir de perto a voz da experiência de alguém que esteve no seio do efervescente Movimento Tropicalista. E consegui um pouco.
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Enquanto aluno, às vezes atacando de repórter, tive oportunidade de ouvir algumas histórias. De acontecimentos, de exposições, de personalidades da cultura brasileira. “Você veio da terra de Tom Zé? Ele era um dos melhores de todos”, me disse Rogério assim que soube que Tom era meu conterrâneo.


Capa de disco de Caetano Veloso - 1967


Às vezes sinto que poderia ter aproveitado mais aqueles momentos, contudo, fico feliz porque sei que houve quem aproveitasse mais e melhor do que eu.
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Daniel Côrtes, meu colega de semestre na faculdade, pesquisa e curte o Tropicalismo. Embora em momentos e disciplinas diferentes, Daniel também foi aluno de Rogério. E além de ter sido um estudante participativo, Daniel saiu do curso como amigo do, quase sempre incompreendido, inconformado e até injuriado, Rogério Duarte.
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Torço para que a amizade dos dois resulte em grandes trabalhos. E acredito que o primeiro deles acaba de sair. Trata-se do curta “Rhada, Deus e o Diabo”. Um vídeo feito por Daniel, um pouco às pressas e sem equipamentos sofisticados ou adequados, mas com grandes qualidades.
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Rhada está entre os cinqüenta selecionados, dos 209 inscritos, para concorrer no XII Festival Nacional Imagem em Cinco Minutos, que acontece em Salvador entre os dias 10 e 15 de novembro próximo. O vídeo documentário flagra Rogério acendendo um fogo, no momento em que ele estar prestes a preparar sua comida.
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Até ai nada demais. O mais intrigante do filme é o combustível usado por Rogério para alimentar a chama. Cópias e mais cópias do Cartaz de “Deus e o Diabo”.



cartaz do filme Deus o Diabo na Terra do Sol

Quantos, Brasil e mundo afora, não pagariam para ter aquele cartaz na parede da sala ou do quarto? Rogério, o autor da obra, simplesmente o queima. Parece um ritual de renascimento ou purgação.
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Cenas que dão margens a centenas de interpretações. Sobre a relação obra X artista; fama X ostracismos; nascimento, processo de industrialização e morte da obra; a obra servindo de combustível para saciar a fome (do organismo ou da alma?) do artista... enfim. Cenas interessantes que se interpõem a depoimentos de Rogério.
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O áudio também entra com força e chama para a reflexão desde o inicio. A trilha sonora do vídeo é o poema Gita Govinda, traduzido do sânscrito para o português pelo próprio Rogério e intitulado na língua pátria como: “Rhada, tu és Minha Paixão”. Na interpretação, o poema recebe como presente a inconfundível voz de Lirinha, poeta e vocalista do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado.
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O áudio, também revela surpresa no final do curta. O som vibrante de um rasgão e um pedido de Rogério.
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Rasgar até parece um ato de protesto. Interessante a força do som de um rasgão presente na obra que fala de um artista com Rogério Duarte. Alguém que, talvez por ter sido um “subversivo” entre “subversivos”, falem tão pouco dele nos grandes veículos de comunicação e até em algumas homenagens à Tropicália.
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Parece que há quem deseje que Rogério seja página rasgada na história da arte no Brasil...
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A parte boa é que ainda existe muita gente legal por aí a fora rasgando seda pra Rogério Duarte. Pode ser que, neste momento, aqui neste pretenso blog, eu seja um deles, mas quero louvar a atitude de Daniel.
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Volto a dizer. Torço, espero e acredito que este seja apenas o primeiro trabalho que Daniel possa fazer sobre a obra rogeriana. Vamos levar fé de que muito mais deverá pode vir por aí.
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Agora, chega de rasgar seda, porque o leitor, provavelmente já ficou curioso para ver o vídeo. E depois, se ficar rasgando muita seda assim, não vai sobrar nada quando os meninos quiserem apertar...
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Veja o vídeo: aqui
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Imagens do Google Imagens

26.10.08

Na comunicação de uma campanha memorável

E lá se vão mais de dois meses do último post... “Tempo, tempo, tempo, tempo!”. Estive ocupado! Trabalhávamos a comunicação de uma campanha eleitoral. Trabalho intenso, às vezes tenso, e emocionante.

Gratificante, quando se faz com gosto e com vontade. Comunicação, publicidade, jornalismo, produção... o trabalho de uma campanha política envolve um monte destas coisa que gosto muito. Além do mais, tem a esperança, a vontade, a fé de que muitos dos nossos sonhos comunitários podem vir a acontecer.

Na minha concepção, é difícil trabalhar a comunicação de uma campanha política, pensando só profissionalmente. Muitos que assim o fazem acabam sendo envolvidos pelo sentimento ou arrependimento no meio do percurso.

Por isso, desta vez, decidi: “só vou trabalhar em campanha, cuja proposta eu realmente acredite”. E, dando graças a Deus, aos meus pais e aos meus esforços, por ter condições de sobrevivência para poder escolher.

Desta forma, recusei trabalho em duas campanhas políticas. Seria desagradável construir sentindo e tentar comunicar qualidades para alguém em quem você não conhece ou não confia. Antes das eleições fui incisivo na recusa de uma proposta de serviço: “Pra fulano; eu não bato uma tecla”.

Lembrei-me de Duda Mendonça e o seu “Casos e Coisas”. Já faz tempo que li, mas recordo algumas situações. Nesta obra, Duda aborda o seu trabalho com Maluf, menciona as suas primeiras peças publicitárias para o PT e finaliza o livro com uma espécie de pedido de licença. Dali em diante iria começar a campanha presidencial de Lula em 2002.


Duda conversa com Lula antes da gravação de Programa Eleitoral


Duda Mendonça diferenciava a sua atuação com Maluf e o seu envolvimento na campanha do PT. No segundo caso, ele estaria associado a uma proposta pela qual sempre fora simpatizante.

Ao contrário do que muitos ainda pensam, comunicar numa campanha política, não significa disfarçar ou maquiar um candidato (embora isso aconteça e muito... rsrsr). A mensagem a ser transferida, é aquele sentido verdadeiro da pessoa, aquela essência sincera que às vezes nem o próprio candidato consegue demonstrar.



Uma breve conversa com Derivaldo


Com esse espírito entrei na campanha de Derivaldo Pinto à Prefeitura de Irará. Por acreditar na proposta, no grupo, no perfil do candidato. Perfil este que, ao decorrer da campanha, fui conhecendo ainda mais, assim crescendo a convicção de estar fazendo o trabalho certo.

Desde a primeira reunião, na segunda semana de julho, até a mensagem de agradecimento no dia 07 de outubro, foi trabalho árduo em regime DE (Dedicação Exclusiva). Montamos a equipe e fomos a campo.

O grupo era pequeno, mas tínhamos de atuar em diversas frentes. Estive co-dirigindo, estúdio de vídeo, estúdio de áudio, site na internet, plano de palco e informativo impresso. E fui o responsável direto pela escrita de roteiros para todos estes veículos midiaticos.

Além disto, também fazíamos a assessoria de impressa e por vezes até secretaria. Acabei recebendo a fama de Coordenador de Comunicação.

Estas responsabilidades por várias vezes me assustaram: “Caso a derrota bata na porta, não faltará gente a apontar culpas e falhas em nosso trabalho”. O alerta de um companheiro servia como um aviso temeroso.

Outras críticas apareceram, mas apesar delas, e foi muito bom tê-las, os elogios eram muitos. E era gratificante receber elogios, pelo site, pelo Canal 40, pelas mensagens nos carros de som, pelo informativo “A Verdade Prevalece”, pela comunicação da campanha como um todo. Eles viam de gente da campanha, de espectadores e até de gente especializada.

Edson Barbosa, da Link Propaganda, por diversas oportunidades pontuou a qualidade do trabalho feito. Foi gratificante ouvir elogios e palavras de incentivo de alguém com larga experiência em campanhas políticas, tendo no currículo vitórias de várias eleições, inclusive para governos estaduais.

Edinho também foi importante para os andamentos da comunicação. Sugestões claras foram colocadas na mesa para discussão, quando, por uma ou duas vezes, estivemos reunidos com ele.

A vitória eleitoral corou todo o trabalho. Para além dos boatos, das mentiras e provocações as quais sofremos, ficam as boas lembranças desta campanha.

Entre tantas, posso citar algumas: A Caminhada da Paz, com a declaração espontânea do apóio de Mãe Melânia. A participação na Cavalgada. Os comícios shows, em Bento Simões e o de encerramento na Praça da Purificação. As caminhadas na feira. O trabalho de toda a equipe. Os ódios e os amores vividos. Momentos inesquecíveis. Fatos de uma campanha eleitoral memorável.

Por tudo isso; só temos a agradecer. Agradecer a Deus por viver esses momentos e sair vitorioso. Agradecer a Derivaldo, pela confiança em nosso trabalho, quando ele, se quisesse, poderia contratar uma Agência de Publicidade mais experiente.

Agradecer a Kakal pela força, incentivo e batalha, durante toda essa campanha, na qual ele, como coordenador, fez verão e foi muito ativo.

E também agradecer a todos os parceiros da equipe de comunicação:

O Diretor de Arte, Marcílio Cerqueira; o estúdio de áudio sob a tutela de Rui Martins e Murilo Martins; o editor de imagens Pedro Brito; os cinegrafistas Sergio Moreira e Gerson Nascimento; os locutores Welton Acelino, Nivaldo Cruz e Lucival Lopes; as gravações de Adalício e as colaborações valorosas de Reginaldo Filho (Reginho) e Rodrigo Martins (Capita);

Valeu !!!
PS. quem sabe no futuro alguns 'causos' da campanha elitoral podem aparecer aqui.
* Fotos:
Roberto e Derivaldo por Marcílio Cerqueira.
Lula e Duda pela ajuda do Google Imagens.

9.8.08

40 anos do grande despertar juvenil


Vladimir Palmeira, estudante brasileiro, discussa em praça pública

Muito se fala de juventude. Seja pela idade ou pelo estado de espírito, a vontade de ser e de parecer jovem, move muitas pessoas.

Além do sentido da jovialidade e da espontaneidade, muitos se motivam a se apresentarem como “jovem”, devido à característica de contestação e participação que os jovens transmitem.

Com certeza o ano de 1968 contribuiu, e muito, para relegar essa imagem aos jovens. Naquele ano, a juventude saiu às ruas para protestar por melhores condições de vida em diversos paises do mundo.

Acontecimentos como a Primavera de Praga, na então Tchecoslováquia; as greves estudantis na França; os Panteras Negras nos Estados Unidos; e a marcha dos 100 Mil no Brasil, em protesto contra a Ditadura Militar; são só alguns dos muitos exemplos.

Estas atitudes da juventude marcaram época e mudaram a história do mundo. Trouxeram avanços tanto na política, quanto nas práticas culturais e comportamentais.



Capa do disco Trópicalia: Tom Zé, primeiro à direita de pé


Datam deste tempo a Tropicália, conduzida por Caetano, Gil e o nosso conterrâneo Tom Zé; a mini-saia, desmistificando valores moralistas do passado; o fortalecimento da consciência pela maior participação de negros e mulheres nas decisões da sociedade.

Através de protestos criativos e bem humorados, em 1968 os jovens mostraram ao mundo que juventude é para brilhar, dizer o que pensa e lutar por uma vida melhor. Isso foi há 40 anos.

Hoje... Jovem sonha em obter emprego e casa própria.

Sobre os Jovens em 1968:

Leia:
1968: o ano que não terminou – Zuenir Ventura, 1988; A insustentável leveza do ser – Milan Kundera; 68: A paixão de uma utopia – Daniel Aarão Reis Filho e Pedro Moraes, 1988.

Veja:
Anos Rebeldes – Denis Carvalho; Barra 68: sem perder a ternura (1992)– Vladimir de Carvalho (2001).

Escute:
Roda Viva – Chico Buarque; Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré; Tropicália – Caetano Veloso.

Com informações da Revista História Viva.

Imagens:

3.8.08

O circo chegou! E já foi

Foi rápido assim. Final de semana destes do mês de julho recém passado. O circo chegou em Irará. Teve espetáculo na quinta, sexta, sábado, domingo. Na terça, o circo já estava de partida.

A companhia parecia até ter uma boa estrutura. No anúncio: Globo da Morte, trapezistas, palhaços... Dois espetáculos à noite. Sendo um às 19h e o outro às 21h. No domingo, ainda mais a tradicional matiné.

Dava curiosidade. “Poxa! Há tempos que não se via um circo por aqui”. Mas, a prudência aconselha esperar pelos comentários. Com alguma indicação da qualidade do circo, a gente vai. Ou não.

A precaução se dá, não por preconceito com a arte circense, mas por receio de desconforto e decepção. Desconfiança, fatalmente criada devido à contribuição de alguns circos.

Mambembes

Trago na lembrança a imagem de circos nada agradáveis.

Já teve circo com teto solar. Daquele tipo como a lona cheia de “escotilhas”, formidáveis para as noites de céu estrelado. Outros traziam um leão na jaula, mas só para enfeite.

O bicho não participava do espetáculo e, a julgar pela sua aparência, talvez, estando em dia com o INSS, já poderia ter se aposentado umas três vezes por tempo de contribuição.

Havia circos com as dançarinas, ou melhor, “rombeiras” (como eram chamadas a moças), bem inspiradoras do nome ao qual eram anunciadas, ao som das ditas “guitarradas” (se bem que esse “rombeira” deve vir de “rumba” e não de outra coisa...).

Preconceitos e celulites à parte, nem mágica do Pitanguy poderia resolver.

Por falar em magia, os truques dos ilusionistas de alguns destes circos mambembes não eram nada interessantes. Monótonos, repetitivos e previsíveis.

E os palhaços eram daqueles que confundem fazer amor, digo, fazer humor, com pornografia. Fosse matiné ou qualquer outro horário. Sem falar dos famosos ladrões de mulheres.

Não só pelas mulheres, mas as transações comerciais com o povo do circo também eram feitas com muito cuidado. Não eram todos os comerciantes da cidade que confiavam em “gente de circo”.

Ainda bem que o imaginário do circo não guarda só desconfianças, desconforto e mediocridades.

Saudosos

Não é difícil de achar quem sinta saudades de circos visto no passado. Quem lembre e lamente que eles já não apareçam muito por aqui.

A dita pós-modernidade, as novas mídias, a indústria cultural, ou sei lá quem ou o que, deve ter contribuído para a diminuição da freqüência com que os circos aparecem.

Antes, a chegada de um circo numa cidade do interior, como Irará, era motivo de festa e assunto. Comentário geral. Dos meninos nas escolas, guardando os seus cupons de descontos para a matiné, oferecido pelo circo. E dos mais velhos, nas suas conversas de esquina ou de porta de bar.

O circo se tornava então, por algumas semanas, o equipamento cultural mais requisitado. A programação era o entretenimento preferido, quando não, o único.

Aqueles que caiam na graça do público, toda semana anunciavam a sua partida. “É último espetáculo nessa cidade!”. O resultado era certo. Casa cheia e mais outros anúncios do mesmo no fim de semana seguinte. Nessa, teve circo que ficou na cidade por volta de oito ou dez semanas.

Não raro, algum bordão dito por um palhaço virava mania na cidade.

“Maisoía a fuleragem”.

A algazarra era total. Palhaços que interagiam com o público e tiravam alguns do sério. A memória oral do cotidiano urbano iraraense, certamente ainda guarda, casos de discussão e até de briga envolvendo público e pessoas do circo.

Também era possível ver ao vivo, alguns números, que antes do “Mister do M”, impressionavam e intrigavam ao mundo inteiro.

Lembro-me de um dia, quando tinha por volta de cinco ou seis anos, e os circos eram armados mais ou menos onde hoje é deposito do D. Barbosa, voltar para casa pensativo.

“Como era que o mágico conseguia dividir aquela mulher em três pedaços e depois juntar novamente?”.

Claro, que tem lembranças também com circos armados no local atual. Primeiro onde hoje é a Rodoviária, por volta de meados pra final dos anos 1980. E depois já no terreno da Casa da Cultura, após a inauguração do Terminal Rodoviário em 1991, na sua frente.

Teve uma fase que os circos entraram numa de buscar celebridades para atrair público. Primeiro no âmbito baiano. Mara Maravilha, Zé Paulo e Tia Arilma (nossa! quem é “teen” com certeza não vai lembrar dessa última).

E teve circo que trouxe estrela nacional. O ator global Marcos Frota, então um apoiador e divulgador da arte circense, esteve em Irará no espetáculo de um circo. Casa cheia.

Não vi, porque lá não fui, porém, depois me contaram. O ator ajoelhou-se para fazer uma oração e tome-lhe vaia... Público de circo é mesmo imprevisível.

Ah! Lembrei agora de um circo que anunciava um trapezista equilibrando-se no seu (sic) “arame vertical”. O arame na verdade era inclinado.

Malabarismos (sem perdão do trocadilho, já que adoro usá-los) deve ser mesmo o que os circos devem fazem hoje pela sua sobrevivência.

Corda bamba

A situação se apresenta difícil. Ao que percebo por aqui, a arte circense está mesmo na corda bamba.

(Tome-lhe trocadilho! Mais uma vez, desrespeito as etiquetas do jornalismo. Afinal, subverter a ordem, vez em quando é bom).

Os tempos vão mudando e os circos já não atraem tanto ou chamam atenção como outrora.

Hoje, se o circo pegar fogo, talvez o palhaço não esteja nem um pouco animado para dá o sinal. Quem dirás, salvar a bandeira da Pátria amada.

Sinais de heroísmo. No equilíbrio pela sobrevivência, buscando freqüência e apóio dos que ainda admiram essa arte ou de editais e outros projetos de entidades como a Funarte e a Funceb, os circos lutam pela sobrevivência.

Em Irará está mesmo raro a presença de grandes circos no centro da cidade. Vez por outra aparecem aqueles que só se atrevem a armar o seu picadeiro na zona rural ou em regiões periféricas da cidade.

E desta vez foi assim. A percepção de que o circo estava sendo armado. Depois o anúncio.

Lá estava rodando pelas ruas da cidade, um carro modelo Celta, com sua mala aberta e o seu som potente. Estilo bem diferente dos velhos reclames de circos, feitos em carros de som coloridos e pessoas fantasiadas, quase como num desfile festivo.

Depois o anúncio de que aquele domingo já era o último dia do circo na cidade e que eles já estavam de partida. E foram embora mesmo. Estiveram apenas de passagem por Irará.

Será que faltou público? Será que foi algum outro problema?

Não ouvi comentário, nem percebi entusiasmo das pessoas com o circo. Nada. É como se aquilo não tivesse acontecido. O circo chegou e já tinha ido embora.

Só dias depois, fiquei sabendo de um amigo que recebera um convite/cantada: “Vamos ao circo!?”. Taí, não é que apesar dos pesares, ainda existe alguém que ver em um espetáculo circense, um bom programa para se fazer a dois?

Para ouvir: “O circo chegou” de Jorge Ben Jor. - Confira a letra

Conte também a sua história de circo. Comente!

25.7.08

Bráulio Pinto

Convidei a dupla de repentistas Antônio Queiroz e Bráulio Pinto para gravar um comercial de rádio. Eles toparam. Na viagem até Feira de Santana, falei com o Bráulio que soube, através de Ricardo Reira, da vontade de um jornalista de Salvador em fazer uma entrevista com ele.
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- Parece que ele (o jornalista) achou o seu nome e sobrenome interessantes.
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Após fazer esse comentário à Bráulio, Queiroz emendou: “É assim, duas vezes que é pra reforçar”.
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Entre risos e conversas, anotei o telefone do Bráulio e passei para Iuri Rubim.
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Clique no titulo abaixo e confira o resultado.
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14.7.08

Triste escolha

A moça chegou ao frigorífico. Diante do balcão, estava pronta para fazer seu pedido, quando percebeu um aparelho de TV ligado ao fundo. Na tela, um destes programas sobre namoro.

Tratava-se de uma espécie de revival do Namoro na TV. O formato parecia mesmo inspirado naquele programa do Silvio Santos, muito exibido na década de oitenta. Do seu programa de namoro, Silvio parece ter consolidado a celebre dúvida: “namoro ou amizade?”. Como se um, só pudesse acontecer independente do outro.

Tolice! Amizade pode até existir sem namoro, mas o contrário... Acho difícil. Daí levando à lona, a desculpa mais esfarrapada e antiga da paróquia. “Não rola, porque a gente é amigo...” Argh !!! Fala sério. E conta outra.

O apresentador então seguia entrevistando as meninas.

- Que tipo de rapaz você quer encontrar? - Questionava o moço da TV.

- Ah! Que ele seja carinhoso, gentil, atencioso, engraçado, amoroso, sensível, inteligente... bla, bla, bla; bla, bla, bla...

Vieram outras pretendentes e a resposta era, a cada vez, repetida. O perfil do rapaz, carinhoso, gentil, atencioso... etc, etc, era repetido exaustivamente.

Parada de frente ao balcão, a cliente do açougue refletia a escolha das moças da TV. Daí ela lembrava que conhecia algumas pessoas, tanto moças quanto rapazes, cheia daquelas características ali procuradas na TV, como se fosse ouro em pó. Não achava difícil encontrar pessoas naquele perfil. Seria necessário ir à TV procurar isso? Seria falsa pretensão?

Refletiu então sobre a sociedade midiatica e a necessidade que muitos têm dos seus 15 segundo de fama. “Será que era isso?”. “Será que todas aquelas moças foram à TV em busca de uma famosidade instantânea?”.

Continuou pensando. “Talvez”. É, realmente, nunca se sabe. A velha e famosa frase já diz: “Sem tesão não há solução”.

E o que dá motivação a esse “T”?

Formas, corpos. Quem sabe qualquer padrão Apolo ou Vênus ditado pela mídia, pela moda ou por qualquer outro imperialismo cultural. Se não, pode ser questão de “gosto”. E aí, se discute. Vale experiências, convivências, ou até, muitos e muitos tratados filosóficos, para, à luz de Montesquieu, descobrir que há um “não sei que” por traz de toda essa motivação.

A moça diante do balcão perdida em seus pensamentos é interrompida.

- Senhorita, senhorita, senhorita! – O açougueiro chama a atenção da cliente – O que a senhora deseja mesmo?

- Músculos! – responde ela sem pestanejar – de preferência peito e coxa – emenda (talvez também estivesse querendo dizer: bíceps).

- Ah! Isso aqui é fácil – responde o açougueiro em tom de comodidade – eu só não tenho o que essas meninas aí da televisão tão querendo. São coisas que nem dá pra vender.

Talvez o açougueiro tivesse razão. E o triste é que, mesmo que encontrado em alguma medida, parece que as qualidades apontadas nunca pesam na balança.

A moça manteve seu pedido: “Músculos”. Deve ser por isso que as “academias” andam super lotadas.

12.7.08

“Nova” dúvida - Adendo ao texto anterior

Rapaz! No texto anterior havia muitas dúvidas. De tal modo, naquele ínterim, acabei esquecendo uma. Esta já figurava em minha mente, quando da auto-sugestão da pauta acerca do “novo mercado”. Por incrível que pareça (e não foi por uso de queijo ou de outras coisas), fugiu da memória no decorrer da redação.

A questão é a seguinte:

Diante do contexto apresentado no texto anterior, da variação dada pela publicidade governista para a palavra “novo” e dos significados apresentados pelo amigo Aurélio, temos uma certeza:

Em 2009 Irará terá um NOVO prefeito.

A dúvida é:

Será um prefeito “novo”, inédito, alguém que nunca foi prefeito. Ou será um prefeito “novo”, alguém que já foi ou é prefeito, mas estará com “novos” métodos, estando assim, digamos... “totalmente reformado”?

- E se reforma gente meu tio?

Essas crianças... Sei não viu!

- Depende, meu filho. Depende.

10.7.08

Mercado novo de novo

O carro de som passou anunciando. A chamada pública era para a cerimônia de “inauguração do novo Mercado Municipal”. Nossa! Surpresa. Perdi-me em indagações.

Talvez, nos últimos tempos e diante de tantos problemas, eu tenha andado tão afastado da vida pública de Irará, que nem se quer me dei conta da construção de um “novo Mercado Municipal”. Porém, se havia um novo mercado na cidade, era preciso conhecer essa recente edificação. Daí sai à procura.

Indaguei dois ou três populares. Perguntei-lhes se eles sabiam onde foi construída a obra. Nenhum deles soube me dizer. Não era possível. Será que eu tinha ouvido direito?

O carro de propaganda da Prefeitura passou outra vez e tirou a minha dúvida. “Inauguração do novo Mercado Municipal”, dizia o anúncio.

Voltei a procurar. Quando de passagem pela Praça da Purificação, um feliz transeunte me apontou: “o Mercado é aquele ali”. Aí quase entro em parafuso. Como novo mercado? Aquele não é o velho Mercado Municipal de Irará?

Então eu olhei. Olhei novamente. Tentava ver outra vez. E só enxergava á minha frente aquela mesma construção iniciada por Elpidio Nogueira, continuada por Oscar Santana e concluída por Elísio Santana, entre as décadas de 20 e 30 do século XX.

Resolvi chegar mais perto. Na frente do prédio do Mercado Municipal percebi um letreiro escrito em pedra de mármore. A placa inaugurativa confirmava a minha suspeita. Aquele era mesmo o mercado idealizado pelo velho Sr. Elpidio, pai de Aristeu Nogueira.

Eu estava então diante de uma obra, que neste ano de 2008, completa setenta e seis anos de inaugurada. E porque estavam falando em novo mercado? Por que anunciavam como inauguração? Não seria mais correto e prudente falar em reforma e re-inauguração?

Reforma total inédita

No livro “A Construção – Histórias de Mestre Januário”, Emerson Nogueira Pinho (Mersinho), nos conta um pouco da história do septuagenário mercado. De acordo com Emerson, a construção do imponente centro comercial, referência da economia iraraense, se deu ao longo de 11 anos, com algumas dificuldades.

A obra foi iniciada em 1921. Já em 1924, a sua primeira cobertura, montada sobre dois pilares, veio abaixo. O projeto foi refeito. Reconstruíram o teto novamente, agora sustentado com quatro pilares (Pinho: 2008).

Para garantir a água necessária à obra, foi cavado um poço artesiano dentro do mercado. Em 1932, Irará esteve em festa com a inauguração do Mercado (idem).

Ao longo dos anos, o Mercado foi tendo mudanças de cores e alterações em seu estado de conservação. Às vezes, quase destruído. Às vezes, um pouco mais preservado.

Na década de 1980 as paredes do velho Mercado Municipal eram alvos dos políticos em tempos de eleições, através das porcas práticas de sujar a cidade colando cartazes em toda parte. Banheiros sujos e estrutura precária, refletida no estado das velhas barracas de madeiras que lá dentro existia, completavam a cena.

Na década seguinte, no governo do ex-prefeito Antônio Campos, foi anunciado uma reforma para o Mercado. O evento de re-inauguração, com direito a placa e todo o cerimonial, contou até com a presença do ex-governador Paulo Souto.

Pompas para uma reforma nada grandiosa. A obra praticamente se limitou a uma nova pintura (naquele tom azul forte – então conhecido como “azul Tonho Campo”), ajustes no telhado e construção de boxes, para substituir as antigas barracas.

Em 2005, já no governo do atual Prefeito Juscelino Souza, carente de uma reforma pra valer, o velho mercado não resistiu e viu parte do seu velho telhado desabar, diante das chuvas do inverno que se aproxima.

Era um momento difícil para a gestão Juscelino. Como se já não bastasse o rompimento com aliados políticos da sua eleição (2004), ainda vinha abaixo o telhado do Mercado Municipal. Justamente, a edificação escolhida pelo Prefeito para figurar como marca de seu governo.

Mesmo diante das dificuldades, o Prefeito Juscelino Souza mostrou agilidade e eficiência. Conseguiu junto ao então governador Paulo Souto, seu aliado político, a garantia dos recursos para a reforma da obra.

Durante o segundo semestre de 2005 e todo o ano de 2006, a obra foi se arrastando. A condução era a “passos de tartaruga”, como diz o ditado popular.

A reviravolta política acontecida na Bahia no final de 2006, quando da vitória eleitoral do Governador Jaques Wagner (PT), provocou certa tensão acerca da reforma do Mercado. Será que o Governo Wagner garantiria apoio para uma obra a ser realizada por um Prefeito ligado ao grupo político adversário?

Numa atitude republicana, em rota completamente contrária à prática do carlismo, o novo Governo do Estado garantiu a continuidade da obra. E a reparação do Mercado de Irará teve seqüência.

Desta vez uma reforma pra valer. E pelo que me consta, uma reforma inédita, já que nunca li ou ouvir falar que o Mercado Municipal tivesse recebido uma re-estruturação completa como a efetuada agora.

Todo o telhado foi trocado. Foi construído um mezanino no interior do Mercado. Aumentou o número de boxs, tendo melhor estrutura. Novas instalações elétricas e hidráulicas. Banheiros novos. Nova pintura, para um projeto arquitetônico adequado.

Mudanças no passeio. Instalações de luminárias de época. Construção de ala com boxes no beco atrás do Mercado. E pintura de painéis, com temas da cultura e agricultura local no interior do prédio. Dentre outras possíveis inovações.

Toda esta obra de re-qualificação, certamente, garantem ter sido esta a maior reforma que o mercado já recebeu em sua história.

No entanto, mesmo de “roupa nova”, o Mercado é o mesmo e velho de sempre. A localização também. Igualmente com as paredes ao redor e algumas portas de ferro.

Diante desta realidade e da pirotécnica “inauguração”, coincidentemente ou não, às vésperas do inicio de uma campanha eleitoral, na qual o prefeito Juscelino Souza é candidato à reeleição, as dúvidas permanecem.

Poderíamos falar em “Novo Mercado”?

Seria correto afirmar que houve uma “inauguração” ao invés de um re-inauguração?


Estratégias de comunicação e duvidas semióticas

“Lavou tá novo”. Ao menos é o que diz o ditado.

Será que poderíamos considerar “novo” o Mercado que além de lavado, foi reformado, re-estruturado, etc e tal?

As indagações continuavam.

A tática de propaganda nazista, diz que uma mentira repetida várias vezes, se torna uma verdade. E eu ouvi muito que estavam “inaugurando” um “novo mercado”.

E lá veio novas indagações.

Comecei então a pensar o sentido da palavra “novo”. Será que novo necessariamente precisa ser inédito?

Pensei então em várias possibilidades de uso para a palavra “novo” e como ela poderia transitar através dos seus signos, significados, significantes e significações possíveis.

Todavia, por hora, não necessitava de explicações para me confundir, como pretende Tom Zé. Então tentei deixar de lado qualquer tentativa de lembrança das aulas de semiótica ou leitura dos textos de Umberto Eco. Daí, resolvi, mais uma vez, recorrer ao pai dos burros, o Sr. Aurélio.

No velho dicionário de bolso, procurei pela palavra: “novo”. O livrinho informa que “novo” é um adjetivo e trás sete possibilidades do que a palavra possa dizer.

Bingo!

Parece que encontrei o modo como poderíamos esclarecer se a reforma total do Mercado lhe valeria o título de “novo Mercado”.

Era só comparar a situação do Mercado de Irará a cada uma das possibilidades apresentadas pelo dicionário para a palavra “novo”.

Então fiz assim:

“1 - Que tem pouco tempo de existência”.

Um mercado com mais de 70 anos, não tem pouco tempo de existência. Nesse caso, com certeza, não há um “novo Mercado”.

“2 – Moço, jovem”.

Fatalmente esse termo deve ser mais usado para pessoas. “Fulano é novo”. Ou seja é jovem, moço. No caso do mercado de Irará, acaso fosse uma pessoa, mesmo reformado, ele já não seria mais nenhum “adolescente”.

“3 – Que é visto pela primeira vez”.

Nana, nina, não. Eu mesmo já tinha visto aquele mercado centenas e centenas de vezes. Imagine os mais velhos?

“4 – Que acaba de ser feito ou adquirido”

Se foi construído nas décadas de 20 e 30 do século passado, pelo próprio município, não foi, de modo algum, feito ou adquirido agora.

“5 – Que tem pouco uso”.

Decididamente não. O mercado já foi e vai ser muito usado.

“6 – Original”

Uma reforma, por mais completa que seja, não tira a antiga originalidade do velho Mercado. O mercado já existia, ali mesmo. Portanto, nada de original.

“7 – Estranho, desconhecido”

Em Irará todo mundo conhece o Mercado, fica bem no centro da cidade e não há nada de estranho com ele.

Ufa! Indagações sobre o “novo” resolvidas. E, consequentemente, sobre a “inauguração” também. Porque se não é novo, não pode ser, de maneira alguma, “inaugurado”. Quando muito, re-inaugurado.

“Eié! Eié! Eié! Eié! Eié! Atenção Brasil...”

Na noite de São João, ouvi o locutor da festa de Irará, após muitas delongas e lantejoulas ao Prefeito, dizer que:

- Não é reforma não gente. É o Novo Mercado de Irará.

Na mesma hora, um amigo ao meu lado apontou para o alto do mercado, onde tem o ano de inauguração: 1932.

É difícil crer que algo datado de 1932 é novo. Mas, o locutor falou com tanta certeza, que eu não estranharia se ele tirasse do bolso uma Escritura Particular para atestar que o Mercado era uma obra nova.

Da minha parte, só me coube imaginar que todas as propagandas e falatórios faziam parte de uma estratégia de comunicação. Desta tática era proveniente a vontade incessante e programada de chamar o Mercado de “novo mercado”, assim como a quadra esportiva da Praça Raul Cruz (Popular Praça do Lazer), também totalmente reformada, de “Nova Quadra”.

Ao meu ver, uma estratégia equivocada. Uma falta de responsabilidade com a comunicação social. Uma vontade implícita de, ao invés de usar os veículos de comunicação para o esclarecimento, usá-los para uma tosca manipulação de idéias.

Será que as pessoas não vão perceber que ali não se tratava de um “Novo Mercado”?

Tudo bem. Méritos e parabéns. Pela obra, pela reforma total, pelo esforço. Repúdio as tentativas de manipulação e distorção da informação.

Não dá para desprezar a história e as pessoas do passado, chamando de “novo” algo que já existia. Não dá para falar de “Novo Mercado”. Quando muito, poder-se-ia dizer que o Mercado está com aspecto novo outra vez. Está novo de novo. Se é que isso é possível.

20.6.08

Ôh de Casa! Uma beleza de licor


Uma boa dica, seja no São João ou em qualquer época do ano, é o licor do Artesanato Ôh de Casa!

Nesta casa de artesanato, artes plásticas, plantas e culinária, seguramente está o melhor licor de Irará. Preparado com zelo, higiene e dedicação pelo casal de artesãos Zé Nogueira e Dagmar.

Como se já não bastasse o talento de fazer um saboroso licor, Zé e Guego ainda envolvem artisticamente o recinto onde é armazenada a bebida.

A garrafa é belamente ornamentada com sementes, folhas secas, cordas de sisal ou outros elementos. O recipiente ganha aspecto de obra de arte. Um singelo objeto decorativo para a sua casa; seja na cozinha ou na sala de estar.

Se você não quer fazer feio para as suas visitas, é melhor recepciona-las com o licor do Ôh de Casa! . Vá lá comprar o licor e aproveite para conhecer ou voltar a este aconchegante ambiente.

Basta chegar ao portão e, da varanda, você já vai perceber que beleza de lugar. No Artesanato Oh de Casa! há beleza em tudo. Nas plantas, nos objetos, nos quadros pintados por Zé Nogueira e na recepção feita aos visitantes.

Em Irara, estando na Avenida Elísio Santana, procure pela casa de Zé Nogueira ou Zé de Aristides. Depois é só chegar ao portão e chamar pela senha: “Ôh de Casa!”. Você será bem recebido.