2.2.08

A gestante no ônibus em tempos capitais

Diferente de Caetano ele ainda não tinha visto a mulher preparando outra pessoa. O tempo e os indivíduos em volta não pareciam preocupados com aquela barriga. O ônibus parou; era ponto de passageiros.
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A gestante subiu pelo fundo da condução mesmo. Torniquete, trocador, empurra-empurra e alguns outros sinais de lotação mais que máxima. A placa na frente indicava: “46 passageiros sentados”. Em pé, a olho nu, percebia-se no mínimo outra quantidade e meia daquela.
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Por entre todo este aperto, típico de corredor de ônibus urbano cheio, está em pé uma dama e a sua singela cria no ventre, com cinco ou seis meses de gestação.
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Quando percebe a cena, o passageiro não se contém. Saí do seu lugar à janela, espremendo-se entre as pernas do outro passageiro, sentado inerte no lado do banco próximo ao corredor. A moça ainda tenta sinalizar uma negativa ao oferecimento, mas é traída pelo seu belo sorriso. Este já denúncia o acatamento à proposta e ele já vai tomando seu lugar ao assento.
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Em pé, após ouvir alguns agradecimentos, tal qual Roberto Carlos, ele pensa: “Espero que tenha sido com muito amor e seja quem for, há de achar você também tão linda, esperando neném”.
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Que romantismo tolo! Não há mais espaço para isso. Hoje a coisa é feita de modo diferente. Há casos sem intenção. Um descuido, uma camisinha estourada, o esquecimento da pílula... Ou de modo intencional mesmo. Assim, como tão falando com grande freqüência nas rádios FMs da periferia. “Quer beber? Ou quer fazer bebê agora?”.
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Pelo sim pelo não, o gentil passageiro resolve começar um bate-papo. Estaria ele esteticamente encantado pela dama a quem fizera a gentileza? E se ela fosse feia? Será que haveria gentileza mesmo assim?
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Pára, pára, pára. Deixemos de desconfianças. Não é a todo momento que se está disponível para ser Brás Cubas. Quem é côxa pode ser bonita, ou vice-versa. Lembremos que a realidade não segue o padrão de perfeição imaginado ou inventado pelo ser humano.
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Divagações filosóficas à parte. Volte-mos ao bate-papo.
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- Por que você não entrou pela frente? – indagou o rapaz, pretendo informar à gestante que ela teria direito de ingressar na condução sem pagar e sem o constrangimento de passar pelo torniquete.
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- Eles tiraram esse direito. Agora a gente tem de pagar.
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- Absurdo!
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A informação ignorada pelo rapaz é confirmada por outra passageira ao lado. Ela re-afirma a noticia da gestante. Pode parecer absurdo, mas mulher grávida paga passagem. Entretanto, a passageira faz uma observação:
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- Você poderia ter entrado pelo frente e ir até o cobrador para pagar a sua passagem. Já pensou se esse ônibus rasta e você leva uma queda ou trompasso?
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Parece que a moça não estava mesmo atenta para isto. E nem todos estavam atentos para ela. E qual seria a novidade? Era apenas mais uma jovem grávida, entre tantas jovens grávidas que tem por aí, que não são apresentadoras de TV.
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O ponto do passageiro chegou, ele se despediu da bela gestante e ela respondeu com um “obrigado”, acompanhado de um sorriso encantador.
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É capitalismo. O que não tem fetiche ou não tem valor de mercadoria, paga a conta, está por fora. E olhe que há quem diga ser a placenta “a melhor das embalagens”.
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