2.11.08

Rasgando seda pra Rogério Duarte

Ele é conhecido como o Designer do Tropicalismo. Há muitos que dizem que na verdade, ele foi além. Consideram-no um dos teóricos do movimento. Contudo, foram as imagens produzidas por Rogério Duarte que caíram nas graças do público e o tornou conhecido.
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O trabalho dele está em muitas capas de discos, como em alguns dos primeiros de Caetano e Gil; em marcas de instituições, a exemplo da TVE; e em cartazes de filmes.
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Entre os anúncios feitos para a sétima arte, está um dos trabalhos de maior destaque de Rogério: O clássico cartaz, do também clássico filme de Glauber Rocha, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. A referência à obra é tamanha que, às vezes, ela serve até como cartão de apresentação quando se fala do Professor Duarte.
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“Você conhece Rogério Duarte? Aquele do cartaz de Deus e o Diabo!”
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Tive a felicidade de ter sido aluno de Rogério na Facom-UFBA. Não tinha pretensão de ser designer, nem tampouco me matriculei numa disciplina da área. A matéria cursada foi “Comunicação e Arte”, de cunho teórico.
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Só que eu não estava ali somente para discutir os clássicos textos dos grandes teóricos da arte. O meu maior interesse, ao fazer aquele curso, era ouvir de perto a voz da experiência de alguém que esteve no seio do efervescente Movimento Tropicalista. E consegui um pouco.
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Enquanto aluno, às vezes atacando de repórter, tive oportunidade de ouvir algumas histórias. De acontecimentos, de exposições, de personalidades da cultura brasileira. “Você veio da terra de Tom Zé? Ele era um dos melhores de todos”, me disse Rogério assim que soube que Tom era meu conterrâneo.


Capa de disco de Caetano Veloso - 1967


Às vezes sinto que poderia ter aproveitado mais aqueles momentos, contudo, fico feliz porque sei que houve quem aproveitasse mais e melhor do que eu.
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Daniel Côrtes, meu colega de semestre na faculdade, pesquisa e curte o Tropicalismo. Embora em momentos e disciplinas diferentes, Daniel também foi aluno de Rogério. E além de ter sido um estudante participativo, Daniel saiu do curso como amigo do, quase sempre incompreendido, inconformado e até injuriado, Rogério Duarte.
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Torço para que a amizade dos dois resulte em grandes trabalhos. E acredito que o primeiro deles acaba de sair. Trata-se do curta “Rhada, Deus e o Diabo”. Um vídeo feito por Daniel, um pouco às pressas e sem equipamentos sofisticados ou adequados, mas com grandes qualidades.
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Rhada está entre os cinqüenta selecionados, dos 209 inscritos, para concorrer no XII Festival Nacional Imagem em Cinco Minutos, que acontece em Salvador entre os dias 10 e 15 de novembro próximo. O vídeo documentário flagra Rogério acendendo um fogo, no momento em que ele estar prestes a preparar sua comida.
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Até ai nada demais. O mais intrigante do filme é o combustível usado por Rogério para alimentar a chama. Cópias e mais cópias do Cartaz de “Deus e o Diabo”.



cartaz do filme Deus o Diabo na Terra do Sol

Quantos, Brasil e mundo afora, não pagariam para ter aquele cartaz na parede da sala ou do quarto? Rogério, o autor da obra, simplesmente o queima. Parece um ritual de renascimento ou purgação.
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Cenas que dão margens a centenas de interpretações. Sobre a relação obra X artista; fama X ostracismos; nascimento, processo de industrialização e morte da obra; a obra servindo de combustível para saciar a fome (do organismo ou da alma?) do artista... enfim. Cenas interessantes que se interpõem a depoimentos de Rogério.
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O áudio também entra com força e chama para a reflexão desde o inicio. A trilha sonora do vídeo é o poema Gita Govinda, traduzido do sânscrito para o português pelo próprio Rogério e intitulado na língua pátria como: “Rhada, tu és Minha Paixão”. Na interpretação, o poema recebe como presente a inconfundível voz de Lirinha, poeta e vocalista do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado.
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O áudio, também revela surpresa no final do curta. O som vibrante de um rasgão e um pedido de Rogério.
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Rasgar até parece um ato de protesto. Interessante a força do som de um rasgão presente na obra que fala de um artista com Rogério Duarte. Alguém que, talvez por ter sido um “subversivo” entre “subversivos”, falem tão pouco dele nos grandes veículos de comunicação e até em algumas homenagens à Tropicália.
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Parece que há quem deseje que Rogério seja página rasgada na história da arte no Brasil...
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A parte boa é que ainda existe muita gente legal por aí a fora rasgando seda pra Rogério Duarte. Pode ser que, neste momento, aqui neste pretenso blog, eu seja um deles, mas quero louvar a atitude de Daniel.
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Volto a dizer. Torço, espero e acredito que este seja apenas o primeiro trabalho que Daniel possa fazer sobre a obra rogeriana. Vamos levar fé de que muito mais deverá pode vir por aí.
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Agora, chega de rasgar seda, porque o leitor, provavelmente já ficou curioso para ver o vídeo. E depois, se ficar rasgando muita seda assim, não vai sobrar nada quando os meninos quiserem apertar...
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Veja o vídeo: aqui
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Imagens do Google Imagens

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