9.3.09

Salve-me Já!

O protesto cacafônico de Zé Américo

Socorro! Salvamento e proteção. A natureza pede socorro. As florestas necessitam serem salvas do desmatamento. As árvores, do campo e da cidade, clamam por proteção.

Em Irará também há consciência ecológica. Ainda que seja para uma minoria; mas há.

“Salve-me já!”. O Pedido apregoado na árvore parece um clamor dela própria. No entanto, trata-se de um alerta do Sr. José Américo. O “protesto” visa chamar atenção quanto ao padecimento de uma das grandes árvores da Praça Pedro Nogueira (Matriz).

A iniciativa lembra umas das ações do Greenpeace. Esta ONG (Organização Não Governamental) roda o mundo soltando balões, fazendo apitaços e colocando faixas, dentre tantas manifestações criativas. Recentemente, puseram uma faixa gigantesca, de alto à baixo, no Elevador Lacerda em Salvador, com vistas a provocar a discussão acerca do aquecimento Global.

Zé Américo fez uma ação menor. Sua placa não foi notícia no rádio ou na TV. Não lhe valeu a “Garota do Fantástico”. E, até onde sei, nem se quer uma linha em A Gazeta de Irará.

Apesar disto foi vista (oie eu aqui falando), um pouco comentada e até ridicularizada por alguns. Para mim, a atitude de Sr. José Américo foi tão válida e criativa quanto algumas ações do Greenpeace. Mais ainda, por ele ter me confessado ter consciência prévia da cacofonia que o texto da mensagem gera.

Dito desta forma, a duplicidade do protesto merece respaldo. Ao mesmo tempo Zé Américo alerta para o descaso ecológico e crítica o caso escatológico.

“Sanitário: sinal da civilização”

Pois sim. Não canso de citar o conterrâneo Tom Zé e algumas falas de suas entrevistas. Certa feita, ele disse ser “o vaso sanitário um dos sinais da civilização”. Penso que os sanitários públicos também devem ser.

Em Irará, Praça da Matriz, início do Século XXI, por volta do ano 2001 ou 2002. O então Prefeito Amaro Bispo (Marito), governando a cidade pela segunda vez, resolve fazer dois kiosques na Praça da Matriz.

Kioske envolta de árvore: crime ecológico?


Os bares são construídos em forma circular, em volta de duas das grandes árvores (seria a construção nociva à saúde das árvores?), ocupando assim dois dos quatro canteiros da praça.

Colocaram energia, bancos em volta, grades de proteção... mas, parece que esqueceram alguma coisa.

Bar funcionando sem sanitário? Pois sim. Em Irará tudo pode acontecer. E se Octávio Mangabeira dizia que quando se pensa no absurdo ele já aconteceu na Bahia; em Irará ele já virou foi tradição.

Em dezembro de 2004 encerrou-se o segundo governo de Amaro Bispo. E o sanitário dos Kiosques? Nada!

No ano de 2005 inicia-se o governo Juscelino Souza. Em 2008, termina os quatro anos do mandato de Juscelino. E o sanitário dos Kiosques? Nada!

Cerca de oito anos sem sanitários nos bares da Praça da Matriz. Sem ter onde derramar as sobras da cerveja consumida, os clientes dos kiosques vão dando “seus pulos”.

Árvores e muro da escola

As mulheres, quando necessitam urinar, vão à lanchonete de Gauchinho, em casa de algum amigo ou sei lá o que é que fazem. Já os homens, se valem do muro da escola Dr. Juliano Moreira ou das árvores em volta.

(Numa novela, o personagem Jorge Tadeu regava uma planta com sua urina. A árvore da novela cresceu. Já as da vida real, na Praça de Irará, parece não suportarem tanto regamento...)


Tronco corroído

É no muro da Dr. Escola Juliano Moreira e nas árvores da Praça da Matriz que a galera “mija”, “tira água do joelho”, “verte água”, “dá um mijão”... enfim. O sanitário improvisado é a céu aberto e sob os olhares atentos, ou não, de todos que passam.

O efeito da cerveja aumenta; a vergonha diminui. Os fieis da Igreja Católica, logo ao lado da Escola e quase em frente ao Kiosque; todos os transeuntes e os moradores da Praça. Todos eles sujeitos às cenas do “mijatório”.

Nas proximidades do “banheiro improvisado” fica o odor de urina. As pessoas começam a sinalizar que o muro da Escola pode estar condenado e as árvores, visivelmente, vem perdendo sua saúde desde a instalação dos quiosques na Praça.

A comunidade tem reclamado. O próprio Zé Américo, em anos passados, já havia publicado texto em A Gazeta de Irará, falando da situação. Pelo visto, ele é mesmo um Nogueira. Madeira resistente. E além do mais, é um brasileiro: “não desiste nunca”.

Num sábado, 03 de Janeiro de 2009, eu estava no Kioske, quando fui abordado por algumas pessoas que, sabendo da minha condição de participar do Governo Derivaldo (2009-2012), me indagaram sobre a questão do sanitário na Praça.

Alguns eram eleitores de Juscelino, mas, preferi não contrastar os quatro anos sem providências, com o apenas um dia útil (sexta-feira dia 02 janeiro) do governo que se iniciava. Ao contrário, me irmanei a eles: “to nessa luta com vocês”.

Algumas semanas depois, uma distinta dama da sociedade iraraense, também me fez o mesmo pedido: “meu filho, você que tem mais contato com o Prefeito, fale com ele. Aquele absurdo não pode continuar”.

"Sanitário pra Advogado"

Não continuar tendo problemas com sanitários era tudo que queria os produtores de uma badalada festa de camisa de Irará. A cada ano, o problema histórico da festa vem tentando ser sanado.

Na edição 2009 do evento, além dos sanitários da AABB, que não foram suficientes no ano anterior, eles instalaram sanitários químicos. Contudo, a problemática persistiu.

Os sanitários da AABB, reservado ao público masculino, não suportaram a demanda e nem o mau comportamento de alguns. Virou lamaçal e daí, já sabe. Reclamações.

Um dos foliões da festa não tardou a falar: “eu paguei, mereço um tratamento decente”. A crítica justa dele, com a expressão “eu paguei”, também reflete o comportamento típico de uma geração que foi mais preparada para ser consumidor do que para ser cidadão.

Pagou, tem de “brigar” pelo devido funcionamento. Ninguém pagou pelas árvores na Praça. Talvez por isso, ninguém tenha que brigar pela sobrevivência delas.

Outro folião da festa, também foi exigir seus direitos de consumidor. Neste caso, o interlocutor falou com mais propriedade. Faltou apenas citar números de leis, artigos ou incisos.

O rapaz chamou um dos Produtores da Festa e disse:

“velho arranje um lugar para eu ‘mijar’ aí. Eu sou um advogado. Não posso ‘mijar’ em qualquer canto”.

O Produtor apenas respondeu: “aqui todo mundo é igual”.

Sendo esses tipos que bastam tirar uma graduação em qualquer Faculdade e já sai achando-se os “doutores”, “raça superior”; bem que merecia uma resposta mais ampla. Pena que não teve.

Agora. Fico me questionando. Como séria uma sanitário de advogado? Será que seria personalizado? Como um “trono” em forma de Toga? Do jeito que temos visto o comportamento de alguns Juízes aí...

“É urgente é urjá”

Voltando ao assunto do sanitário público, já que a privada, digo, o privado não é um problema de todos, mas sim dos consumidores do evento, quero dizer da necessidade da providência dos sanitários na Praça da Matriz.

Passadas as agonias das festas de fevereiro, período no qual, instalou-se sanitários químicos na praça, embora alguns tenha se negado ao uso, coloquei o assunto em questão diretamente com o Prefeito.

A conversa ficou mais ampla. Derivaldo também pontuou necessidades de outras mudanças estruturais na Praça. Concordei e fiquei esperançoso. Entretanto, não deixei de pontuar a urgência de resolver a problemática da falta de sanitários.

Como diz a canção de Tom Zé, o caso dos sanitários “é urgente é urjá”.

Em sendo uma situação emergencial, não precisa fazer nada muito elaborado. Muito menos seria necessário colocar um “banheiro de advogado” na Praça.

Tenho certeza que, quanto antes o Prefeito Derivaldo resolver este caso, toda a gente iraraense, independente de quem tenha votado, vai gostar da atitude. E quem sabe até reserve uma salva de palmas pra ele.

“Só Jesus Cristo Salva”. E eu vou salvar este texto, pra ver o que o tempo vai me dizer.
Enquanto o tempo não diz, nós vamos pedindo por solução, pelos problemas ecológicos e pelos escatológicos. Pedindo socorro, clamando por ajuda: “Salve-me já”.

3.3.09

"Cócegas nas tradições"

O Departamento de Cultura na Jornada Pedagógica 2009

A cada ano o ciclo é renovado. Novo ano letivo, alunos em novas séries, outros em novas escolas. Os professores devem planejar o ano que se inicia. Re-encontro, conversas, considerações sobre as férias.

A Jornada Pedagógica é também o momento de avaliação de erros e acertos do ano anterior. Discussões de metas e perspectivas para o ano iniciante. Expectativas acerca do trabalho que estar por vir.

Em sendo o primeiro ano de um novo governo municipal, a curiosidade aumenta.

São inevitáveis as comparações. Corações acalorados pela disputa eleitoral. Facilmente se percebem conversas paralelas do tipo: “Fulana votou, beltrana é do contra”, ou então, “isso era melhor, aquilo era pior”. Avaliações sinceras ou apaixonadas, a depender da parcialidade ou da franqueza de quem faz o julgamento.

Talvez, não sei, um dos diferenciais a serem apontados na Jornada Pedagógica 2009 de Irará, esteja na participação do Departamento de Cultura. Isto para quem observou diferenças para além do tipo do lanche ou da água oferecida.

- “E o lugar da cultura na Jornada?” – Questiono a uma das organizadoras.

- “Não havíamos pensado... é que nunca teve... e...” - A resposta vem em tom de desculpas.

Não há porque se desculpar. Sabemos que um dos nossos maiores desafios é lutar contar a visão hegemônica relegada para a cultura no município.

- “Você não vai ornamentar o palco não? Isso é com o Departamento de Cultura” – Assim pergunta e afirma um colaborador, ironizando e mostrando a força do pensamento vigente.

Pois é. Nós limitamos apenas a disponibilizar as malhas que estavam esticadas no palco. Não assumimos o Departamento para coordenar equipe de decoração. Pensamos em um vôo mais alto.

Conseguido um espaço para a “fala da cultura” na Jornada. Sugerimos o tema: “Educação e Políticas Públicas para a Cultura”.


A fala

E lá vamos nós. Começo da tarde de segunda-feira, 09 de fevereiro. Uma platéia repleta de profissionais da educação. Primeiro solicitamos um sonoro “boa tare”, para espantar o sono causado pelo almoço. Iniciamos pedindo aquilo que os professores passarão o ano inteiro pedindo aos alunos: “um pouquinho de silêncio e atenção!”.

A fala é cheia de considerações sobre o tema. Usando alguns trechos do artigo “Casa da Cultura de Irará: pressupostos para uma política municipal de cultura
[1]”, evidenciamos algumas das nossas idéias. A sugestão é um trabalho conjunto entre Educação e Cultura no Município.

“Percebemos que a cultura tem sido afastada da educação”. Tai uma das considerações. As outras vão pelo mesmo caminho.

Os professores, conhecidos como “Os Senhores do Saber” são convocados a participarem de um trabalho na cultura que vise a qualidade de vida e a formação cultural da população iraraense. “Festa também é cultura, mas cultura não é só festa”.

De carona no conceito de “Cidadania Cultural” de Marilena Chauí falamos do direito que tem todo o cidadão, especialmente o cidadão em formação escolar, de acesso às culturas diversas.

Daí vem algumas idéias. “Temos de pensar em maneiras de realizar atividades lúdicas nas escolas, principalmente na zona rural, durante os fins semanas”. Afinal, na maior parte das comunidades, a escola é o único equipamento cultural existente (além dos bares, é claro).

E tem mais idéias. A afirmativa é confirmada através de posicionamento consensual. “Muitos de nossos alunos nunca foram a um teatro, a um cinema, a uma galeria”. Há quem diga ser, a quase totalidade.

Pois bem. O convite é feito. “Os professores precisam ser nossos parceiros nesta luta”. E se assim o são, é preciso dialogar mais de perto com eles.

O Diálogo

Termina o espaço reservado para falas. Depois da representação, do Departamento, ouvimos também os Professores Denílson Lima Santos (Poesia Negra em Sala de Aula: Uma Imagem de Liberdade) e Jucélia Bispo dos Santos (Saber local, Memória e Educação Quilombola em Irará –Bahia).

Vamos falar no cara a cara. Procuramos pela sala onde os professores vão planejar o ensino de artes. Encontramos, pedimos licença e entramos.

Agora falamos e ouvimos. Abordamos o ensino de arte e a arte-educação, a necessidade de variar entre as linguagens, a aproximação para o aluno entre o mundo artístico na sala de aula e na sua vivência.

Os professores, por sua vez, colocam na mesa algumas pontuações. A discriminação sofrida pela disciplina, a falta de material didático e também a ausência de mecanismos de qualificação para os educadores artísticos.

“Vamos pensar e trabalhar juntos”. Não há como prometer milagres, a luta é árdua e tudo que pudemos garantir foi empenho. Então, assumimos o compromisso de buscar pessoas para fazer um intercâmbio de aprendizado na área.

Dalí só voltaríamos à Jornada na quinta-feira. Logo chega o dia e, ainda no caminho, um comentário:

“Você não sabe o gás que a sua participação deu aos professores de arte”.

Diante desta fala de Marilda Ramos, Supervisora do Ensino Fudamental II, da Secretaria de Educação, ficamos agradecidos e conscientes do aumento da nossa responsabilidade.

A Participação

A temática da quinta-feira era a EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Antes das falas começarem, um presente. A apresentação do grupo de samba-reggae Purificaê (já chamado de O “Olodum de Irará”), com direito a participação especial de Faú (Zimbabwe).

Estávamos ali só para assistir, mas fomos convidados a participar das falas. E lá fomos nós outra vez. Novamente a cultura como foco das atenções e, agora, a sua relação com a alfabetização.

Impossível não lembrar Paulo Freire. E lá falamos dele. Comentamos também acerca do MCP (Movimento de Cultura Popular) e suas ações de alfabetização, realizadas no governo conduzido por Miguel Arraes em Pernambuco, deposto pelo golpe militar de 1964.

Lembramos de uma fala do Professor André Lemos, nos tempos das aulas de Comunicação e Tecnologia na Faculdade, e soltamos a paráfrase:

“Muito se fala em inclusão digital; mas a informática é um advento recente na história da humanidade. A escrita tem milhares de anos e ainda temos pessoas que não tem acesso a este mecanismo”.

Diante do índice alarmante de analfabetismo em Irará, em torno de 20%, conclamamos a amiga, professora, agora Secretária de Educação, Marize Batista:

“imagine que marco não séria se, ainda que não conseguíssemos zerar, chegássemos ao final desse mandato com índices ínfimos de analfabetismo em Irará?”.

A fala da Professora Cristina, coordenadora da EJA, nos mostrou várias iniciativas que já vem sendo adotadas no município. Casos interessantes de descoberta das letras.

As histórias eram diversas. Tinha o caso do Senhor que quis aprender a ler para não depender de ninguém lhe indicar o ônibus para chegar na casa do filho em Salvador.

E também a Senhora que, emocionada mostrou uma cicatriz nas costas, disse ter sido a marca de uma surra recebida para não “aprender a ler e escrever carta pro namorado”.

Casos de um trabalho que talvez a publicidade não tenha tido interesse em divulgar. Afinal, alfabetização não dá voto... Talvez até tire...

Em meio a tantas histórias, me vem à mente a idéia de uma forte campanha pela alfabetização. O Sonho de transformar Irará em referência na erradicação do analfabetismo.

Comento a idéia com Marize. Passo os rabiscos que fiz pra ela. A Secretária marca uma hora para que possamos conversar sobre o assunto.

As idéias

Após o termino da Jornada, já na Sexta-feira, vou ao Gabinete da Secretária de Educação. A conversa flui. Idéias são muitas. É preciso buscar apóio e exemplo em experiências bem sucedidas. Listamos alguns possíveis parceiros:

Instituto Paulo Freire; MOC (Movimento de Organização Comunitária); TOPA (todos pela alfabetização – Governo Estadual); MEC (Ministério da Educação); e, porque não?, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), fazendo um estudo nas suas iniciativas educacionais.

Marize trás a constatação de que o primeiro passo é um mapeamento sério da realidade acerca do analfabetismo em Irará. De tal sorte, temos mesmo de fazer parcerias, levar a idéia a outros setores do governo e buscar recursos.

Percebo que a campanha só seria possível depois que todo um projeto de alfabetização estivesse pronto. Nada é fácil.

Não tenho certeza se conseguiremos. Ou se faremos o projeto e a campanha. A idéia é continuar lutando. É como falei para Marize, num determinado momento: “se não derrubarem a gente, ainda vamos fazer muitas cócegas nas tradições”.

Obs: O termo "fazendo cocegas nas tradições" é dito na canção Tatuarambá de Tom Zé.

[1] Artigo apresentado no I EBECULT (Encontro Baiano de Estudos da Cultura) acontecido na UFBA em Salvador, em Dezembro de 2008. – Em breve disponível nesse blog.