
Aceitei o desafio de dirigir a parte do jardim público a mim confiada. Foi uma escolha difícil. A roda viva do destino, havia pouco, tinha jogado em meu colo a responsabilidade de assumir o controle do canteiro lá de casa.
Era hora de estar à frente daquele pequeno jardim particular. Benfeitoria construída à base de muito suor e sacrifício. Pensei que seria possível conciliar a atuação no pequeno e no grande jardim. Não deu. Algumas tempestades fizeram-me perceber ser o momento de estar mais dedicado ao canteiro.
A labuta, na parte do jardim público na qual estive à frente, foi difícil. O clima encontrado não favorecia o alvorecer. A atenção anteriormente dada e, na maioria das vezes, ainda relegada e requerida, era apenas para as plantas de papel ornamental. O foco no imediatismo priorizava o interesse nas flores e adereços decorativos. Pouco importava se eles não tivessem vida, não tivessem garantia de continuidade, fossem fadados ao continuísmo e que amanhã já estivessem desbotados; na lata de lixo mais próxima.
Parecia não ressoar o nosso alerta da necessidade de re-vitalizar as velhas árvores frondosas e preparar o solo para o germinar de novas e exuberantes plantas naturais. Além das intempéries, ainda vimos o afastamento, ou a não possibilidade de participação, de companheiros de outros tempos e projetos de jardinagens.
As ervas daninhas e espinhos encontrados vão deixar marcas, mas não serão as únicas lembranças que guardarei desta experiência. As feridas abertas se tornarão cicatrizes. Estarão fincadas como a raiz de uma grande árvore decepada pelo seu tronco. E, por incrível que pareça, com o passar das estações, apenas as boas lembranças estarão marcadas neste caule amputado.
Recordaremos as sementes que começamos a plantar. Dos rostos felizes já com os preparativos para uma possível florada futura. Das mensagens de incentivo, torcendo e pedindo pela continuidade sacrificante do trabalho recém iniciado. Os colaboradores entusiasmados, com regador em punho, ansiando pelo momento no qual as mudas apontassem as primeiras folhinhas. Peço desculpas a todos estes amantes das flores e digo-lhes para não perder as esperanças. O amanhecer sempre virá.
Agora, neste momento específico, volto-me para o canteiro lá de casa. Honrar pai e mãe é um dos mandamentos. Buscarei respeitá-lo. Quem sabe, neste tempo que virá, terei oportunidade de apresentar o nosso projeto ecológico a outros ou ao mesmo jardim. Quem sabe outra tentativa, outro momento ou ambiente mais favorável, talvez desfrutando de mais operários e de ferramentas necessárias. Por hora, é tempo de se afastar do jardim público.
“Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar e a renascer inteira” Cecília Meireles
* Texto inspirado em “A Travessia” de Freio Betto e “Sobre Política e Jardinagem” de Rubem Alves.
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