27.9.10

Os humoristas e duas contradições da democracia eleitoral


As eleições diretas costumam ser apresentadas como um dos pilares do sistema democrático. O ato de poder escolher um dos candidatos confere aos cidadãos a oportunidade, através do voto, de manifestar apoio ou repulsa a determinada política, ideologia, gestor ou representante no parlamento.

Contudo, há elementos neste momento eleitoral, vulgarmente confundido como “o tempo da política”, como nos lembra o professor Albino Rubim, os quais contradizem a sua tão propalada natureza democrática.

Das praticas vigentes na realização de eleições diretas, cujo teor pode ser largamente considerado como antidemocrático, há destaque para duas: A existência do Voto Obrigatório e a forma pela qual o cidadão é convocado para ser “voluntário” no trabalho nas Sessões de Votação.

O voto obrigatório, como o próprio nome já indica, é uma discrepância para qualquer democracia que se preze. Se o voto é um direito do cidadão, como ele pode ser obrigado a exercer-lo? Se é Direito ele só deveria usufruí-lo caso seja de sua vontade. Não sendo, deixa de ser “direito” para se tornar “obrigação”.

Se não tivéssemos o voto obrigatório, talvez a qualidade do nosso sistema democrático séria melhor. Os desinteressados ou desconhecedores dos assuntos da comuna dificilmente dar-se-iam ao trabalho de ir lá votar.

Quem sabe assim minimizaríamos os votos para pagar favores e os votos inconseqüentes. Entre eles, aqueles decididos pela graça do candidato no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral.



No caso da obrigatoriedade do trabalho no dia das eleições, a situação é tão drástica quanto. Não vamos discordar da necessidade do ato e da contribuição da sociedade na realização do pleito.

Até aí, vai tudo muito bonitinho, tal e qual a campanha publicitária exibida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na TV. Um dos filmes veiculados, com vistas à incentivar a inscrição de Mesários voluntários, tem até atriz global dando “obrigado” antecipadamente.

A dramaticidade do caso é para com os mesários que não desejam trabalhar e mesmo assim são recrutados para tal. Muitos deles, já trabalharam por muitos anos, mas a toda eleição vêem o seu nome se repetir na lista de convocação.

Não são claros os critérios ou motivos para a recorrente convocação daquelas pessoas. Ou mesmo porque é tímida a renovação dos quadros que deveriam substituir-los.

Nas pequenas cidades do interior, onde quase todos são conhecidos, o caso se agrava, com possíveis acontecidos do tipo: “Tu vai trabalhar de novo? Fala com o ‘fulinhinho’ que ele tira teu nome da lista, foi assim comigo”.
E desta maneira a conversa vai se espalhando. E o “fulinho” vai ganhando “fama” e, exercendo seu micro-poder na usurpação de função pública, não se furta a dizer: “me procure em tal tempo que EU tiro seu nome e na próxima você não trabalha mais”.

Assim, ao que parece, o critério de seleção das pessoas parece ser a vontade de “fulaninho”. Fica livre do trabalho obrigatório e, consequentemente, das sanções que a falta á ele poderia trazer, quem procura o funcionário com antecedência ou se submete a lhe ficar “devendo o favor”.

Outra maneira pela qual o cidadão pode se livrar de ser “voluntário” é conseguindo alguém para ficar no seu lugar. Desta sorte, o Tribunal delega ao cidadão uma obrigação que é sua, ou seja, “convocar voluntários”.

Não obstante, algumas ações merecem destaque. Pode-se mencionar o convênio entre os Tribunais Eleitorais e as Universidades, visando horas em atividades complementar para estudantes que trabalhem nas eleições. Iniciativa válida, mas ainda tímida.





Para o aumento no numero de voluntários satisfeitos nas eleições, os Tribunais precisam de maiores avanços. Uma boa medida seria a publicidade ampla e irrestrita dos critérios pelos quais as pessoas são convocadas para trabalhar. Outra seria a limitação de participação de cada pessoa a um número máximo de eleições.

Cada indivíduo trabalharia no máximo em três ou quatro processos eleitorais, por exemplo, só ultrapassando este número caso seja de sua expressa vontade. Assim seria garantida uma maior renovação sazonal do quadro, além preservar aquelas pessoas que detestam o trabalho eleitoral, mas são submetidas a participações em 12, 15 ou até mais pleitos eleitorais.

Como nos diz o filosofo iluminista Montesquieu, “num estado, isto é, numa sociedade em que existem Leis. A liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e não a ser coagido a fazer o que não se deve querer”.

Obrigando as pessoas a trabalharem e a votarem em eleições, os Tribunais vão de encontro à este principio. Duas contradições democráticas que talvez só mesmo a tão adiada Reforma Política seja capaz de exterminar.

Caso a reforma não venha e nada mude, não caberá censura aos brasileiros que consideram a nossa democracia uma piada. Nem parecerá estranho a aparição de um humorista na TV, falando sério, a justificar a importância das eleições, enquanto outros eram proibidos de fazer piadas críticas sobre políticos.

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20.9.10

D. Maria Luiza, o reisado e o helicóptero


Igreja de um lado, palco de outro. Praça da Prefeitura, Santanópolis –Ba, tarde de domingo, 10 de setembro de 2010. Segundo dia da Festa da Cultura Popular. No sábado, dia anterior, teve uma mesa redonda sobre cordel, com as presenças de Antônio Barreto e Franklin Maxado e algumas apresentações artísticas.
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O sol deu as caras e até chegou incomodar um pouco. Há quem lhe culpe pelo pequeno número de presentes. No palco, a apresentação era de Cescé de Feira de Santana. A Igreja estava fechada.
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Na chegada re-encontro velhos companheiros da labuta pela cultura popular. Barreto, Franklin Maxado, Ricardo Reira. Este último, organizador do evento, não pôde dar muita atenção. A conversa segue. Considerações sobre atividades do tipo, a peleja da cultura popular contra a indústria massiva e tantas coisas mais.
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Ao lado, o estande da Paróquia parecia vender comidas típicas, e exibia telas de Gabriel Ferreira. O artista plástico havia passado por lá no sábado. Cescé termina sua apresentação. A praça agora já tem mais gente.
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E, tão logo, percebo a presença de Miguel Almir lá no centro. Mais um amigo, mais um re-encontro, mais lembranças e trocas de informações, mais um guerreiro da cultura popular.
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Ele esta acompanhado de parceiros do NIT –UEFS (Núcleo de Investigações Transdicisplinares da Universidade). Miguel conta empolgado o seu contato e participação do “Boi de Lustosa”. “O legal é que tem muitas crianças participando do grupo”, diz. O pessoal documenta tudo. Colhe imagens para uma pesquisa acadêmica.
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Determinado momento a conversa é brevemente suspensa. Sobrevoa a cidade um helicopetro vermelho, muito bonito. É como Nando Reis, já nos lembra, “avião no ar” convoca os olhos à olhar. Entretanto, nossa visão não segue a aeronave. ASA Filho está no palco passando o som.
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De repente, percebemos um grande volume de pessoas saindo da praça. ASA prepara para tocar. “O helicóptero pousou atrás da Igreja”, a conversa se espalha. ASA começa a tocar e logo interrompe. “O enterro”. E tinha mesmo um enterro na Igreja Católica lá de frente. Agora aberta.
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O som interrompido. O enterro sai. Pouco depois, temos a confirmação da veracidade do boato. Percebemos o helicóptero alçar vôo, detrás da Igreja. “Disse que é um deputado”, comenta alguém.

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ASA Filho anuncia. “Maira Luíza, o nome dela, 110 anos”. O féretro já havia saído da Igreja. O enterro seguia. O Som do reisado de São Vicente começa: “São os cantador de reis/ são os cantador de reis/ Maria vai ver quem é”. O samba segue.

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D. Maria Luíza, seja qual tenha sido a sua história de vida, foi mesmo uma pessoa que, para os padrões vigentes, teimou em viver. E, além de tudo, chegando ao outro lado, pode dizer que, pelo seu exemplo de resistência, na sua despedida teve até helicóptero e apresentação de Grupo de Reis em Santanópolis. E quem há de dizer que não.

18.9.10

18 de Setembro

Sou fascinado por letra de música. As boas; é claro. Elas traduzem muitos dos nossos sentimentos de forma precisa. Descrevem momentos vividos e traduzem situações.

Hoje é 18 de setembro. Se aqui estivesse fisicamente conosco, meu pai completaria 62 anos neste plano terrestre (não sei se há outros). Neste momento de lembranças, uma letra de música me serve como porta voz.

“Naquela Mesa” já era um canção conhecida. A composição de Sérgio Bittencourt foi imortalizada na voz de Nelson Gonçalvez. Agora, o pernambucano Otto fez um versão dela.

Ouvi a interpretação de Otto pra “Naquela Mesa” pela primeira vez no show dele em Salvador, domingo passado. A emoção é forte. E acho que bate em todo filho que sobrevive à partida do pai.

Não é raro as vezes que ouvimos canções e pensamos: “parece que foi feita pra mim”. Desta, se muito, eu só tirava uma ou duas linhas. O resto vai tal e qual.

Ouça a versão de Otto no vídeo (clique aqui)

Naquela Mesa

Otto
Composição: Sérgio Bittencourt

Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho
Eu fiquei seu fã

Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída, não doía assim

Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim
Naquela mesa ta faltando ele
E a saudade dele ta doendo em mim
Naquela mesa ta faltando ele
E a saudade dele ta doendo em mim