25.10.11

Três canções para São Paulo

Há muitas canções que descrevem cidades. Algumas conseguem sintetizá-las em poucos versos. Mostrar contrastes. Evidenciar sentidos e características. 

São Paulo, como uma grande cidade, deve ter muitas e muitas homenagens em forma de canções. Lembro sempre de Sampa de Caetano e São São Paulo de Tom Zé. 

Vão direto à paulicéia desvairada:

São São Paulo – Tom Zé  (trechos)

São oito milhões de habitantes
De todo canto em ação
Que se agridem cortesmente
Morrendo a todo vapor
E amando com todo ódio
Se odeiam com todo amor

São oito milhões de habitantes
Aglomerada solidão
Por mil chaminés e carros
Caseados à prestação
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito
São, São Paulo
Meu amor
São, São Paulo

Sampa - Caetano  Veloso (trechos) 

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

De agora, em diante, na minha curta relação de canções que retratam São Paulo, não poderei deixar “Não existe amor em SP” de Criolo, escolhida melhor música do ano no VMB 2011, de fora.

Versos tão fortes, poéticos e sintetizados como os feitos pelos dois compositores citados acima. Só que o olhar agora não de alguém que veio de fora e fixou morada na capital paulista. Agora é alguém de lá que diz. “Não existe amor em SP”. Será?  

Não Existe Amor Em SP
Criolo 

Não existe amor em SP
Um labirinto mistico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê
Buquês são flores mortas
Num lindo arranjo
Arranjo lindo feito pra você
Não existe amor em SP

Os bares estão cheios de almas tão vazias
A ganância vibra, a vaidade excita
Devolva minha vida e morra afogada em seu próprio mar de fel
Aqui ninguém vai pro céu
Não precisa morrer pra ver Deus
Não precisa sofrer pra saber o que é melhor pra você
Encontro duas nuvens em cada escombro, em cada esquina
Me dê um gole de vida
Não precisa morrer pra ver Deus

23.10.11

Sorte dupla, família de Sorte ou o que?

Poucos dias depois que postei aqui no blog o achado de um amendoim com cinco caroços recebi uma ligação de meu primo Eri. “Achei também! Tô mandando as fotos pra você ver”. E ele não achou “um só não The Lock”, achou dois! 



Os dois "amendoins de cinco" encontrados por Eri 


Recebi as fotos e pensei: Será q encontrar amendoim de cinco caroços não é tão difícil como diz o ditado popular ou somos uma família de sorte? (No caso de Eri sorte dupla!) 

De qualquer sorte, avaliar sorte ou destino não é nenhuma clarividência e fatalmente as repostas, se é que existe resposta, não serão encontradas dentro de uma bage de amendoim.  




6.10.11

Faculdade de puxa-saquismo

Maria Eduarda estava pensativa no ponto de ônibus. Lembrou os tempos do colégio. Seu protagonismo, os constantes elogios dos professores e as profecias: “Essa menina tem tudo para ser uma grande profissional”. Presságios confirmados.  Eduarda era muito boa no seu trabalho. Ela sabia disso.

Não era falta de modéstia, nem auto-estima nos ares. Muito pelo contrário. Valia-se de criticidade comparativa e sabia das qualidades dos seus feitos. Era fácil perceber que estavam acima da produção daqueles cujos salários eram muito superiores ao seu. 

Questionou-se: Por que meu trabalho é melhor e ganho menos? Por que com tanto tempo de dedicação não sou promovida? Por que minha qualidade de trabalho não é devidamente reconhecida? Por que não avancei na companhia quando colegas mais novos receberam loas do chefe? Porque...

A quantidade de “porquês” assustou a moça. Susto insuficiente para interromper o filme que passava em sua cabeça. Pais, colegas, professores e manuais de auto-ajuda. Ela havia feito todo o aconselhado nas histórias dos vencedores. 

“Estude para ter uma boa formação”. Mesmo diplomada em instituição de renome, Eduarda continuava a fazer isto. “Seja criativo”. Não era mesmo essa uma das qualidades que as pessoas lhe apontavam? “Seja persistente”. Os tantos anos de lida e tentativa lhe davam atestado. 

“Seja um profissional dedicado e ame o seu trabalho”. Ela sempre gostou muito do que faz e sempre sonhou ganhar a vida com isto. 

Lembrou dos colegas que avançaram; muitos deles com pouca competência. Recordou quando a empresa mudou a chefia.  “Agora é a sua turma que está no comando Eduarda, você vai ser valorizada”, diziam os amigos otimistas. Tal e qual escrito no poema de Drummond, “o bonde não veio, o riso não veio...” e o reconhecimento também não chegou. 

Alguém que passava deixou um panfleto em suas mãos. “Faculdade de Puxa-Saquismo”. Era o título. Aquele talvez fosse um curso importante ainda em falta no currículo de Eduarda. Com este aprendizado certamente teria melhores oportunidades. 

Empolgada, ela alongou o olho e foi ler o cronograma, no qual eram listadas a as disciplinas do curso. Ali dava para sentir a qualidade da proposta. 

Babação de Ovo I e II; Beijos e abraços falsos; Técnicas para achar graça em piadas do chefe; Teoria da gabolice dos atos do chefe; Metodologia de ligar e procurar o chefe toda hora; Sistema de imitação do chefe; Cheretagem expansiva I e II, entre outras. 

O curso era relativamente barato. O pagamento poderia ser feito em suaves prestações. E as aulas eram rarefeitas, um ou dois dias por semana. A quase totalidade delas ministradas à distância. 

Eduarda deu um sorriso amarelo. Ficou pensativa. Voltou a questionar-se: Conseguiria aprender em um curso, o que os seus colegas faziam tão bem sem ter tomado aulas? Seria justa a ascensão de pessoas cujas maiores qualidades são as técnicas ensinadas naquele curso? Será que o seu perfil se adaptaria àquelas lições? Seu orgulho e amor próprio se sujeitariam aquilo? 

Sem resposta pra tudo, dobrou o panfleto, botou no bolso e tomou o ônibus lotado que acabara de chegar.  

Papel esquecido, molhado e desintegrado na lavagem da calça. Eduarda nunca se lembrou de procurar por aquele curso. Consciente e inconscientemente ela sabia que jamais estaria adaptada à “Faculdade de Puxa-Saquismo”. Quem sabe um dia, sua hora chegue.