7.12.13

O teatro e o faz-de-conta

Durante muito tempo desejei e imaginei que as situações e acontecimentos fossem vistos e descritos como são. Ledo engano. As pessoas gostam mais do que “parece ser”. Fogem do que “é”. 

Agora eu sei um dos motivos do meu fascínio pelo teatro. O teatro, para usar um termo dito por Cazuza em uma canção, é uma “mentira sincera”. E as “mentiras sinceras” também me interessam. 

O teatro não falseia, falseando. Ele se apresenta, logo de cara, como uma “encenação”. Fica implícito, como em um acordo tácito com o espectador, que ali não está o que é real. 

No entanto, através da verossimilhança, o teatro nos mostra uma realidade óbvia. E que, por tão, mais tão, visível, estava oculta. 

A arte teatral denuncia a hipocrisia humana. Desmascara os jogos de cena. 

Muitos costumam ir ao teatro para rir ou chorar da própria miséria. Outros tantos o freqüentam porque desejam apurar o olhar crítico para com a realidade. 

O teatro do qual falei até aqui é o artístico. Ele é bem diferente do teatro do dia-a-dia. 

O teatro do cotidiano é o faz-de-conta. Pessoas simulam situações, se fazem de personagens, vestem fantasias hipotéticas, entre tantos outros artifícios, na intenção de “parecer ser”.

Vale de tudo. O desejo é não ficar de fora do grupo social. Não parecer em desvantagem, com relação ao outro. Se apresentar como superior.  Torna-se uma pessoa a ser invejada, copiada, admirada. 

E neste contexto, as redes sociais, principalmente o Facebook (a mais usada entre os brasileiros) são o paraíso na terra. 

Com isto, potencializa-se uma sociedade doente pelo consumismo e as aparências. Vive-se um ciclo vicioso. Tal e qual é apresentado no filme “Beleza Americana”, cujo desfecho mostra justamente a condenação de quem quis se rebelar contra esse mal. 

Precisamos de mais reflexão e menos fantasia. Mais teatro e menos faz-de-conta. 

Triste do local, onde não se faz e nem se assisti teatro.

2.12.13

CHAMA O DR.

Texto escrito por  EMERSON NOGUEIRA - MERSINHO 

Mestre Januário no seu cantinho habitual  

Nos altos dos seus 92 o velho Januário precisou de um reparo. Foi quando Juvam da Pisadinha gritou: chama o Dr rapaz.  

- Já o levei duas vezes essa semana no hospital e passaram medicamentos. 

- Que nada, esses médico novo, hum..humm...

Era final da tarde de domingo 27/10/2013. Chegando ao antigo casarão bati algumas palmas.... Logo o Dr. abriu a porta, então apresentei-me e fiz questão de desculpar-me pelo incômodo. Fui tão cauteloso que não deixava nem o Dr. falar. Foi quando respondeu sorrindo: 

- Para, para, para não precisa de discurso, eu não to mais fazendo esse tipo de atendimento, mais como é Mestre Januário vou abrir uma exceção”.

Naquele momento percebi a conhecida irreverência do grande cidadão Iraraense. Mandou-me esperar enquanto preparava a maleta. Eu não estava sozinho, os amigos Roberto Aranha e Emerson estavam de prontidão para dar aquele necessário tombo.

Chegando a roça lembrei-o dos tempos de chegança naquele terreiro. O velho deu um breve sorriso. Fomos até o quarto onde os amigos se reencontraram. Tiveram uma pequena prosa, daí fiquei a observar o andamento da consulta.


Encontro entre Dr. Deraldo e Mestre Januário 

Foram muitas perguntas, até que Mestre Jilú disse ao Dr. que achava que tava era de “olhado”.  O Dr. pensou alguns segundos e revelou mais uma nota do seu rico repertório. Disse que sabia rezar olhado e perguntou se ele tinha fé. Logo pediu umas folhas de vassourinha e começou a rezar. Ao lado botei a mão no bolso e vi que também tinha um bom instrumento para orquestrar. Foram alguns minutos inesquecíveis. 

Dr. Deraldo reza Mestre Januario 

No outro dia o velho levantou. Já sentado em seu habitual cantinho, perguntei como ele estava. Respondeu: “ tô aqui teimando”. Neste momento observei uma cena que refletia a continuação. Muitas vezes há de haver um fim, mas haverá sempre um recomeço. O velho e o novo estavam em movimentos parecidos. Que estejamos preparados para um novo amanhecer, e que jamais há de esquecermos o mais velho dos doutores, o Deus da vida.


O velho e o novo, Januario e seu bisneto Cauã


Veja o Vídeo de Dr. Deraldo rezando o Mestre Januário 





Mercinho, 02/12/2013