14.3.16

“Zico” morreu, agora é folclore

As aspas já sinalizam. Não se trata do ídolo do Flamengo. O Zico do qual falo é um “mendigo” (“doido”) de Irará.

Posso dizer que ele era da minha geração. Não sei se um pouco mais novo, não sei se um pouco mais velho. Conheci o Zico quando eu era criança e ele também era.

Nunca soube ao certo do histórico dele, mas sempre ouvi muitas histórias (ou estórias) se contar.

Zico vivia nas ruas da cidade. Certa feita um bancário o adotou. Andou limpinho por alguns dias, depois, não se adaptou e voltou a viver nas ruas. É o que contam. Zico continuou sujo, maltrapilho, pedinte.

Na década de 1980, dizem, ele foi uma das crianças sequestradas em Irará para o tráfico internacional de pessoas. Teria conseguido a fuga e o retorno para sua terra.

Andarilho, Zico conhecia a tudo e a todos do Irará. Chamava as pessoas pelo nome ou apelido, como quem demonstrando intimidade. Aos mais velhos chamava com respeito ou proximidade: “Seu”, “dona”, “tia”...

Certa vez, quando foi pedir dinheiro, ouviu o interlocutor: “Não tenho trocado, Zico”. Daí, ele de pronto mostrou a solução: “Tem problema não, me dá o dinheiro que eu te dou o troco”.

Em outra oportunidade fez uma intimação a um noivo. “Olhe, você enrolou a outra um tempão e não casou, não vá fazer isto com essa aí não”, avisou ao rapaz, diante de sua noiva de alguns anos.

Zico gostava de dar conselhos. Certa feita encontrou alguém saindo de casa apressadamente, tarde à noite, porta a fora, rua a dentro. “Não sai de vez assim não. Olha primeiro”. Alertou.

E também indagou um conhecido se ele confiava na namorada. “Nunca sumiu dinheiro teu não?”.

Gostava de jogo, com quem estivesse disposto a rolar dados com ele, e de rádio. Às vezes, era um cantarolar danado pelas ruas.

Quando meu pai faleceu, Zico veio me dizer para não ficar triste...

Quem procurar saber vai encontrar “causos” e mais “causos”. Entre eles os passados sob distúrbios mentais. Momentos nos quais apareciam os alertas: “Zico tá atacado!”.

Para alguns, um doido. Para outros um simples mendigo que, apesar de ter uma “aposentadoria”, gostava de sujeira e mendicância.

Na vida, alguém que passou. E agora entrou para o folclore da cidade. Assim como outros personagens. Sejam eles os “certos” ou os “doidos de Irará”.

* Em meio as notícias sobre São João e Cristiano Araújo essa pode ter passado despercebida.

Escrito originalmente em 25 de junho de 2015 e postado no Perfil de Roberto Martins no Facebook - https://www.facebook.com/roberttomarttins


Publicado aqui no Blog com pequenas adaptações e acréscimos em 14/03/2016 

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo texto. Essa é a história de Zico, tenho certeza que era conhecido por todos e temido pelas crianças. Eu mesma quando morava aí pq atualmente moro em São Paulo, tenho muitas histórias. Pois quando estudava levei muitas carreiras do Zico com um sapo na mão querendo nos apavorar pq sabia que tínhamos medo, mas na verdade era só uma brincadeira pq ele não fazia mau a ninguém. Grande e temido Zico