28.4.17

"Direito de ir e vir" carregado

Imagem: Domínio Público - Flicker - http://bit.ly/2oRCpBY

A situação financeira no sítio não era das melhores. 

A produção estava ruim. O dono exigia cada vez mais de todos os bichos. 

Os galos deviam alertar o início do expediente mais cedo. Da vaca se pedia cada vez mais leite. E das galinhas, mais ovos... Todos eram exigidos. Era preciso acelerar a produção. 

O burro também era obrigado a contribuir. A carga da carroça ficou mais pesada. O número de viagens só aumentava. 

Já o dono do sítio seguia em contramão. Ele exigia produção, reclamava dos tempos difíceis, mas não reduzia em um milímetro sequer o seu conforto. Pelo contrário, era cada vez mais gastador. 

O dinheiro era para jogatina e negócios com seus amigos financistas da cidade. Pouco importava a lida sacrificante dos animais do sítio. Eles eram “só” animais. 

Um dia, o dono do sítio adquiriu uma pick-up nova. O carro, comprado em dezenas de prestações e juros abusivos, era de alto luxo. Com mecanismos e funções suficientes para nunca serem utilizadas por ele. 

Quando viram a caminhonete chegando, alguns imaginaram uma redução do trabalho do burro. Ledo engano. 

Com o carro novo, o trabalho do burro duplicou. A pick-up era pra passear na cidade e ostentar diante dos outros carros, menores e mais baixos. Não era carro para entrar na labuta diária como o antigo. O dono temia arranhar a lataria reluzente, etc e tal. 

Os bichos ficaram revoltados. Resolveram organizar um movimento. “Vamos bloquear a porta do sítio”, gritou o papagaio. 

O burro logo reclamou. “Eu gosto de trabalhar, não sou cachorro pra ficar aê latindo e nem gato preguiçoso pra vagabundar”. 

Mesmo sem o apoio de todos, o bichos fizeram o protesto. Eles bloquearam a entrada do sítio. 

Neste dia, o dono não saiu de casa. Também não se importou muito. Dentro de casa ele tinha todo o conforto necessário. Além do mais, nem todos os bichos aderiram ao movimento. “Depois tudo volta ao normal”, pensou o proprietário.  

Na entrada do sítio, de repente começou uma discussão entre os animais do protesto e o burro. 

“Eu tenho meu direito de ir e vir!”, gritava o quadrúpede. 

Além de tudo, ele não queria se indispor com o dono do sítio. Não queria correr o risco de ficar sem a sua ração podre. E temia as chibatadas. “Enquanto eu viver, eu vou aguentando”, vaticinou o burro. 

Assim o burro seguiu indo e vindo, no transporte de sua carga cada vez mais pesada. Continuaria desta maneira até quando lhe fosse possível viver, mas, com o passar do tempo, o trabalho árduo levou seus anos e seu destino mudou. 

“Está velho, não presta pra mais nada”, falou o dono do sítio, antes de trancafiá-lo na cocheira e sacrificá-lo depois.

Os outros animais seguiram sitiados.