No ingresso vendido na bilheteria estava escrito: “ATENÇÃO: Evite a ação dos cambistas. Venda Proibida”. Outros, nas mãos dos próprios cambistas, além desta informação, continham um carimbo: “CONVITE: Proibida a venda”.
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Em meio a advertências e proibições os cambistas seguiam livremente fazendo seu trabalho, nas proximidades do Teatro Castro Alves (TCA) em Salvador, num dado fim de semana de dezembro passado.
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“Ingresso, ingresso, Vander Lee, Cordel do Fogo Encantado”. Esse era o grito que mais se ouvia, naquela tarde de sábado. Um chamado feito a qualquer um transeunte em direção à Concha Acústica do TCA.
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Mal se descia do ônibus e eles já estavam lá. Ladainha exaustivamente repetida para chamar a atenção dos potenciais fregueses.
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Como se percebe, apesar de verbalmente proibidos ou indesejados pelos produtores de eventos, os cambistas, em bom número, transitam com desenvoltura na Praça do Campo Grande. Um leve descuido e pode-se tropeçar num deles quando se vai entrar no hall das bilheterias do Teatro.
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Tênis, calça tec-tell e camisa xadrez, usada por fora, um dos cambistas está em busca de consumidores. Abaixo do boné e por trás dos óculos redondos, figura uma aparência de pouco mais de 50 anos.
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Olhos de águia, em busca de possíveis freqüentadores de shows, lá vai Crispim (nome fictício - no meu entender o mais adequado para o cidadão). Chego próximo e pergunto o valor do ingresso.
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- É dez reais.
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- Você está vendendo pelo mesmo preço da bilheteria - Comento.
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- É, - responde Crispim, para complementar depois – mas comprando em minha mão, você não vai precisar comprar o livro, que o cara tá ali vendendo por três. Ele pode até te fazer dois, mas aí o ingresso vai ficar por doze.
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O cambista se referia há um vendedor de livros usados e antigos módulos de pré-vestibular, comercializados na entrada das bilheterias do Teatro. Como é um show em benefício de uma causa social, pede-se que as pessoas doem livros ao comprarem seus ingressos no guichê.
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Neste tipo de evento, o ritual começa em casa. Procura-se por aquele velho modulo, o livro didático da quarta série, ou qualquer outro que julguemos sem serventia.
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Assim apreendemos e assim continuamos. Damos o que já não nos serve mais. O lixo. Campanhas de troca de ingressos por livros são fantásticas, além de fazer sobrar espaço na nossa lixeira, nos deixa com o “sentimento de culpa aliviado”.
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Calma. Não condeno de todo as campanhas de doação de livro. Não é por aí. Os livros realmente hão de ser útil a alguém. E, claro, melhor livro na mão de pessoas do que servindo de entulho. Ademais, os que não forem de muita serventia para uso, espero ao menos que sigam para a reciclagem e um dia se transformem em livros novos, com custo menor do que o habitual.
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Mas, voltemos ao Crispim e a sua labuta. Passa o freguês e ele faz o chamado:
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- Ingresso, Vander Lee!
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- Quanto é mermão!? – Indaga o rapaz.
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- Lá você vai pagar trinta, eu te vendo por vinte e cinco (abaixo da bilheteria! Isso que é promoção).
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O cidadão com gel no cabelo e camisa “mamãe quero ser forte” se interessa pela proposta. Faz uma cara de surpresa, olha para um lado, para o outro, dá uma choradinha...
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- Faço vinte! Pra você nem ir lá. – fala Crispim, como quem dá a última palavra, para depois se referir à bilheteria.
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- Esse ingresso é verdadeiro mesmo? – questiona o freguês.
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- Ohhhhh! Que é isso!? Aí é qualidade. Eu trabalho é com ingresso! – Sentencia o cambista, com ênfase no “ingresso” tentando demonstrar experiência na atividade.
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- O problema não é ser falso. O problema é você me enganar. Se você me enganar... aí é que vai ser problema...
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Chorou, balançou, mas acabou comprando o ingresso na mão do cambista. Pelo dialogo pensei ser o “playboy”, um policial a paisana. Têm muitos deles que gostam de arrumar uma confusãosinha para depois demonstrar sua autoridade. Mais um pouquinho e, quem sabe, teríamos ouvido o clássico: “sabe com quem está falando?”.
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O cidadão vai embora e a vida do cambista continua. Anuncia o seu produto. Vem de lá duas sirigaitas bem vestidas. Queixo empinado, passam e fazem de conta que não é com elas. Vai ver, pensam que cambista não é gente.
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Pois é. Tem gente que nutre um ódio mortal aos cambistas. Considera-os aproveitadores e culpados por esgotar os ingressos da bilheteria para especular preços depois.
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Já vi gente que chegou ao espetáculo após o encerramento do guichê e pouco antes do inicio da peça teatral achou uma excelente oferta pelo ingresso, mas acabou recusando. Motivo? O bilhete era vendido por um cambista. Só por isso.
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“Uns aproveitadores. Isso é que eles são. Tem show que eles botam o preço lá em cima”. Não adianta nem afirmar que agindo assim o cambista está obedecendo a Lei da Oferta e da Procura. A antipatia está formada.
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Em meio a advertências e proibições os cambistas seguiam livremente fazendo seu trabalho, nas proximidades do Teatro Castro Alves (TCA) em Salvador, num dado fim de semana de dezembro passado.
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“Ingresso, ingresso, Vander Lee, Cordel do Fogo Encantado”. Esse era o grito que mais se ouvia, naquela tarde de sábado. Um chamado feito a qualquer um transeunte em direção à Concha Acústica do TCA.
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Mal se descia do ônibus e eles já estavam lá. Ladainha exaustivamente repetida para chamar a atenção dos potenciais fregueses.
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Como se percebe, apesar de verbalmente proibidos ou indesejados pelos produtores de eventos, os cambistas, em bom número, transitam com desenvoltura na Praça do Campo Grande. Um leve descuido e pode-se tropeçar num deles quando se vai entrar no hall das bilheterias do Teatro.
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Tênis, calça tec-tell e camisa xadrez, usada por fora, um dos cambistas está em busca de consumidores. Abaixo do boné e por trás dos óculos redondos, figura uma aparência de pouco mais de 50 anos.
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Olhos de águia, em busca de possíveis freqüentadores de shows, lá vai Crispim (nome fictício - no meu entender o mais adequado para o cidadão). Chego próximo e pergunto o valor do ingresso.
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- É dez reais.
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- Você está vendendo pelo mesmo preço da bilheteria - Comento.
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- É, - responde Crispim, para complementar depois – mas comprando em minha mão, você não vai precisar comprar o livro, que o cara tá ali vendendo por três. Ele pode até te fazer dois, mas aí o ingresso vai ficar por doze.
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O cambista se referia há um vendedor de livros usados e antigos módulos de pré-vestibular, comercializados na entrada das bilheterias do Teatro. Como é um show em benefício de uma causa social, pede-se que as pessoas doem livros ao comprarem seus ingressos no guichê.
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Neste tipo de evento, o ritual começa em casa. Procura-se por aquele velho modulo, o livro didático da quarta série, ou qualquer outro que julguemos sem serventia.
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Assim apreendemos e assim continuamos. Damos o que já não nos serve mais. O lixo. Campanhas de troca de ingressos por livros são fantásticas, além de fazer sobrar espaço na nossa lixeira, nos deixa com o “sentimento de culpa aliviado”.
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Calma. Não condeno de todo as campanhas de doação de livro. Não é por aí. Os livros realmente hão de ser útil a alguém. E, claro, melhor livro na mão de pessoas do que servindo de entulho. Ademais, os que não forem de muita serventia para uso, espero ao menos que sigam para a reciclagem e um dia se transformem em livros novos, com custo menor do que o habitual.
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Mas, voltemos ao Crispim e a sua labuta. Passa o freguês e ele faz o chamado:
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- Ingresso, Vander Lee!
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- Quanto é mermão!? – Indaga o rapaz.
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- Lá você vai pagar trinta, eu te vendo por vinte e cinco (abaixo da bilheteria! Isso que é promoção).
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O cidadão com gel no cabelo e camisa “mamãe quero ser forte” se interessa pela proposta. Faz uma cara de surpresa, olha para um lado, para o outro, dá uma choradinha...
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- Faço vinte! Pra você nem ir lá. – fala Crispim, como quem dá a última palavra, para depois se referir à bilheteria.
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- Esse ingresso é verdadeiro mesmo? – questiona o freguês.
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- Ohhhhh! Que é isso!? Aí é qualidade. Eu trabalho é com ingresso! – Sentencia o cambista, com ênfase no “ingresso” tentando demonstrar experiência na atividade.
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- O problema não é ser falso. O problema é você me enganar. Se você me enganar... aí é que vai ser problema...
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Chorou, balançou, mas acabou comprando o ingresso na mão do cambista. Pelo dialogo pensei ser o “playboy”, um policial a paisana. Têm muitos deles que gostam de arrumar uma confusãosinha para depois demonstrar sua autoridade. Mais um pouquinho e, quem sabe, teríamos ouvido o clássico: “sabe com quem está falando?”.
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O cidadão vai embora e a vida do cambista continua. Anuncia o seu produto. Vem de lá duas sirigaitas bem vestidas. Queixo empinado, passam e fazem de conta que não é com elas. Vai ver, pensam que cambista não é gente.
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Pois é. Tem gente que nutre um ódio mortal aos cambistas. Considera-os aproveitadores e culpados por esgotar os ingressos da bilheteria para especular preços depois.
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Já vi gente que chegou ao espetáculo após o encerramento do guichê e pouco antes do inicio da peça teatral achou uma excelente oferta pelo ingresso, mas acabou recusando. Motivo? O bilhete era vendido por um cambista. Só por isso.
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“Uns aproveitadores. Isso é que eles são. Tem show que eles botam o preço lá em cima”. Não adianta nem afirmar que agindo assim o cambista está obedecendo a Lei da Oferta e da Procura. A antipatia está formada.
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"Show de Solidariedade"
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Pode ser ilegal. Pode ter muita gente que deteste. Entretanto, seria difícil a vida do freqüentador dos eventos do Projeto Sua Nota é um Show se não fossem os cambistas.
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O Projeto do Governo da Bahia visa criar incentivo para que as pessoas peçam notas fiscais nas suas compras e serviços (combatendo a sonegação de impostos) para depois troca-las por ingressos de shows ou partidas de futebol.
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Até ai tudo lindo e maravilhoso. O problema é na hora que o consumidor (já nem chamam mais de cidadão) vai trocar as notas.
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Para falar disso, peço ajuda aos universitários:
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“No dia de troca para o show de Maria Bethânia, cheguei por volta das seis e meia da manhã. Sequer conseguir entrar nas dependências da Fonte Nova: o portão já estava fechado e já haviam sido distribuídas 2.200 senhas, segundo responsável da Sefaz. Um caracol de candidatos à troca. Formara-se outra fila do lado de fora do portão... No lado de dentro, muitos relataram ter chegado na noite anterior e, como em todas as vezes que participei da troca, os cambistas estavam entre estes.”
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O trecho acima é oriundo da Monografia de Conclusão da Graduação em Ciência Sociais de Cibele Nunes da Silva Santos (UFBA: 2004). No texto de “A nota do Show” aparecem também problemas como as pessoas entrando na fila várias vezes depois de pegar ingresso e outros sentados em papelões, “guardando” lugar na fila.
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“É como se algumas hordas de moradores de rua, por ocasião da troca, encontrassem uma forma de se inserir, episodicamente, no mercado de prestação de serviços.” Diz o trabalho de Cibele.
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Agora, vamos agradecer a “intervenção” da menina de CiSo e retomemos a nossa discussão. Se conseguir ingresso para os shows do Projeto do Governo tem lá suas dificuldades, então podemos deduzir que os cambistas dão um “show de solidariedade”.
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Sim. Porque são eles que vão lá buscar os ingressos para vender “aos bacanas” na hora e na porta do show. Mas, aí cabe um porém. É só lembrar da argumentação de que a venda destes ingressos é proibida.
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Alguém me relatou conhecer uma pessoa que foi abordada por um policial quando comprava ingresso do Sua Nota é um Show na mão de um cambista. A julgar pelo movimento na frente da Concha nos dias de show, penso que este ser deveria jogar na loteria de vez em quando...
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A troca de ingressos e o acesso aos mesmos para o Projeto Sua Nota é um Show é um dos problemas que o novo Governo da Bahia vai precisar resolver. Será que alguém já pensou na idéia de colocar postos de troca em pontos como colégios, shoppings, praças ou até mesmo nas casas de espetáculos?
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Mas deixa isso para depois. Voltemos aos cambistas. Agora eles estão brigando por um cliente. “Eu já falei com ele”. Grita um dos dois. “Se saia meu irmão!” Responde o outro. Na disputa, parece leilão, os lances de ofertas começam a aparecer. O movimento na porta do Teatro é animador.
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Dias de lucro. Dias de prejuízo. Vai que chove e perde todos os ingressos? Vai que o show bomba e vende pelo olho da cara? Riscos como em muitas profissões. E cambista é profissão?
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Mesmo proibido nos bilhetes e, “ao que parece”, na lei, eles seguem trabalhando, como uma espécie de promotores do câmbio negro dos ingressos. Câmbio flutuante entre a oferta e a procura.
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Trabalham assim. Sem carteira assinada, sendo eles mesmos o documento comprobatório de que algumas coisas no Brasil, apesar de proibidas, funcionam tranquilamente. Acho que amanhã vai dá macaco. O chefe da policia avisa pelo rádio. Câmbio e desligo!
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O Projeto do Governo da Bahia visa criar incentivo para que as pessoas peçam notas fiscais nas suas compras e serviços (combatendo a sonegação de impostos) para depois troca-las por ingressos de shows ou partidas de futebol.
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Até ai tudo lindo e maravilhoso. O problema é na hora que o consumidor (já nem chamam mais de cidadão) vai trocar as notas.
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Para falar disso, peço ajuda aos universitários:
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“No dia de troca para o show de Maria Bethânia, cheguei por volta das seis e meia da manhã. Sequer conseguir entrar nas dependências da Fonte Nova: o portão já estava fechado e já haviam sido distribuídas 2.200 senhas, segundo responsável da Sefaz. Um caracol de candidatos à troca. Formara-se outra fila do lado de fora do portão... No lado de dentro, muitos relataram ter chegado na noite anterior e, como em todas as vezes que participei da troca, os cambistas estavam entre estes.”
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O trecho acima é oriundo da Monografia de Conclusão da Graduação em Ciência Sociais de Cibele Nunes da Silva Santos (UFBA: 2004). No texto de “A nota do Show” aparecem também problemas como as pessoas entrando na fila várias vezes depois de pegar ingresso e outros sentados em papelões, “guardando” lugar na fila.
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“É como se algumas hordas de moradores de rua, por ocasião da troca, encontrassem uma forma de se inserir, episodicamente, no mercado de prestação de serviços.” Diz o trabalho de Cibele.
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Agora, vamos agradecer a “intervenção” da menina de CiSo e retomemos a nossa discussão. Se conseguir ingresso para os shows do Projeto do Governo tem lá suas dificuldades, então podemos deduzir que os cambistas dão um “show de solidariedade”.
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Sim. Porque são eles que vão lá buscar os ingressos para vender “aos bacanas” na hora e na porta do show. Mas, aí cabe um porém. É só lembrar da argumentação de que a venda destes ingressos é proibida.
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Alguém me relatou conhecer uma pessoa que foi abordada por um policial quando comprava ingresso do Sua Nota é um Show na mão de um cambista. A julgar pelo movimento na frente da Concha nos dias de show, penso que este ser deveria jogar na loteria de vez em quando...
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A troca de ingressos e o acesso aos mesmos para o Projeto Sua Nota é um Show é um dos problemas que o novo Governo da Bahia vai precisar resolver. Será que alguém já pensou na idéia de colocar postos de troca em pontos como colégios, shoppings, praças ou até mesmo nas casas de espetáculos?
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Mas deixa isso para depois. Voltemos aos cambistas. Agora eles estão brigando por um cliente. “Eu já falei com ele”. Grita um dos dois. “Se saia meu irmão!” Responde o outro. Na disputa, parece leilão, os lances de ofertas começam a aparecer. O movimento na porta do Teatro é animador.
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Dias de lucro. Dias de prejuízo. Vai que chove e perde todos os ingressos? Vai que o show bomba e vende pelo olho da cara? Riscos como em muitas profissões. E cambista é profissão?
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Mesmo proibido nos bilhetes e, “ao que parece”, na lei, eles seguem trabalhando, como uma espécie de promotores do câmbio negro dos ingressos. Câmbio flutuante entre a oferta e a procura.
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Trabalham assim. Sem carteira assinada, sendo eles mesmos o documento comprobatório de que algumas coisas no Brasil, apesar de proibidas, funcionam tranquilamente. Acho que amanhã vai dá macaco. O chefe da policia avisa pelo rádio. Câmbio e desligo!
Um comentário:
Olá Roberto,
Com o passar do tempo, a troca até aconteceu em shoppings, mas acho que causou tumulto no mundo do comércio. Pior que isso, só ter um projeto com tantas possibilidades de acesso, (e até de fomento ao mercado informal de trabalho)suspenso. Mas isso cabe outro estudo...
Foi bom rever esse trabalho.
Menina de Ciso
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