Dona Melânia na Lavagem 2005
Fim de tarde, início de noite. A movimentação é grande. A essa altura dos acontecimentos, todos já sabem que vai chegar mais uma conterrânea ilustre. Na porta de espera, Sinhá Inácia comanda a arrumação.
É preciso que todas as baianas que a acompanham estejam sintonizadas, alegres, bem vestidas e com os potes de água de cheiro preparados. Lá também está Dadaí, com seu pote de água de cheiro, após preparar toda a massa dos bolinhos de acarajé.
As peças de chitão, que Tom Zé nos contou que foram compradas por Pedro Pinho Brejão, já não estavam dando pro gasto. A ocasião pede nova indumentária. Corre-se para providenciar tecidos novos com Sr. Teófilo, chapéus com Sr. Everton e Edson Barbosa.
Poderiam procurar por Caribé também, mas este há muito não lida mais com loja de roupa. Agora é bem provável que esteja em algum lugar abrindo um novo loteamento para servir ao progresso local.
Enquanto isso, no local da recepção, Sinhá Inácia dá seguimentos aos preparativos. Louro de Hospício lhe garante que a ornamentação sai a tempo e que vai ficar uma coisa linda, como bem merece a homenageada.
A agonia é grande. Pede-se a alguém para ir depressa buscar pregos em Sr. Lúcio. Seu Filas já prepara os foguetes. Os demais fogos serão comprados uma parte em Zé Vermelho e outra na loja de Zé Aristeu.
O “escritor das coisas de Irará” já nem pode dá muita atenção a seus clientes. Neste momento ele se ocupa na redação de um texto falando da história e trajetória da homenageada.
O professor e compadre Planzo, poeta e também escritor, está presente no ambiente. Faz cara de pensativo, alisa os fios de sua longa barba branca, toma uma dose de run e lembra-se de ir buscar a sua objetiva.
É preciso registrar esse momento. Pouco importa se depois alguém deixem os fotogramas abandonados em algum lugar, numa caixa de sapato qualquer.
Hora da passagem de som. Alfredo da Luz prepara o seu trio. Testa daqui testa de lá. O som funciona e pára em seguida. Alfredo resolve conferir todas as ligações feitas.
Está junto com Alfredo da Luz um jovem bastante prestativo. Trata-se de Kong que agora trabalha em parceria de Alfredo, colocando a disposição toda a sua experiência de roddie e eletricista, antes a serviço das bandas e eventos escolares de Irará.
Logo os dois percebem que não há muito que fazer. Não se trata de colocação de cabos. O problema é o velho amplificador de Alfredo, ainda de válvula, que resolveu pifar. Justo nesta hora.
A solução não tarda. Alfredo se lembra que Zé do Rádio também já habita aquelas plagas. Ele sabe que Zé não se negará a atendê-lo, só porque já passou a hora do expediente.
Um tempo depois o problema é resolvido. Peça para aquele aparelho antigo, só poderia mesmo sem encontrada na Oficina de Zé. Agora com o trio funcionando a contento acabaria os boatos de que não haveria música na festa.
Quem estava de olho na boataria de que o Padre não permitiria a celebração era a Professora Lourdes Ferro. Lurdão já elaborava mentalmente algum panfleto contra os poderosos da cidade, quando ficou claro que a Igreja não era contra o evento.
Boataria sem sentido. Quem seria contra as homenagens? Afinal, todos sabem que pela sua fé, devoção e alegria, a homenageada merecia não só uma festa, mais duas: a religiosa e a profana.
Festa garantida, Lurdão então decidi ocupar-se com o último ensaio do grupo de teatro. A peça a ser encenada conta a trajetória da Lavagem de Irará. O destaque é para a homenageada, porta estandarte da festa por setenta e seis anos, tendo assumido a função desde os doze anos de idade.
O último ensaio é acompanhado de perto por Dr. Aristeu. O velho comunista, já tinha demonstrado para Deraldo Bacelar, Antônio Maurício e Rogerinho, além de outros companheiros de Casa da Cultura, as suas preocupações quanto ao possível relaxamento do pessoal.
Despreocupados estão Roque irmão de Pinga e Cau Paes Coelho. Cada um numa barraca. Em meio a toda a agonia, um conversa sobre futebol, o outro sobre política. Jogam conversa fora enquanto tomam umas cervejas e observam Amaral, Aniceto e alguns outros músicos, afinando os instrumentos da Charanga.
De repente, lá vem um carro apressado. É Murilo acompanhado de Tainá. O casal está indo guardar o veículo para voltar e curtir a Lavagem. Essa, certamente, deve ser a maior de todas as que acontecem todo mês lá porta do céu.
Em contrataste com a pressa dos jovens eufóricos está a Professora Lourdes Portela. Ao saber da notícia, a professora Lourdes deu um tempo na leitura do jornal, repousou-o ao lado do dicionário e se manteve pensativa. Parece distante do assunto contado com entusiasmo por D. Nilzete Maia.
Nilzete recorre a poesia de Manuel Bandeira, ensaiando a mesma homenagem que lhe fora feita:
Melânia preta
Melânia boa
Melânia sempre de bom humor
Imagino Melânia entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Melânia. Você não precisa pedir licença.
A festa já esta pronta e sem hora para terminar. Todos só esperam a presença da grande guerreira. Baluarte e referência da mais tradicional festa de Irará, como nós lembra os versos do cordel de Kitute de Licinho.
“Nossa porta estandarte
Mulher de garra e guerra
Inicia a festança que cedo
Não se encerra
Não tem Canô nem Betânia
Quem manda é Mãe Melânia
Na lavagem dessa terra”
Quem por muitos anos comandou as Lavagens da terra Irará, agora segue pra, junto a Sinhá Inácia, comandar as Lavagens do céu. Antes, durante a Lavagem 2008, cumpriu a missão e passou o estandarte à sua sucessora, Maria Helena.
A música de Tom Zé anunciou:
“Melânia porta-bandeira
Com mais de cem companheiras
Lá vem puxando o cordão
Com estandarte na mão”
Pronto. Melânia chegou! A festa pode começar. Após uma tarde de chuva, o céu de Irará estava num colorido bonito. Um quase vermelho intenso em plena noite, como que refletindo a festa que todos faziam lá por cima.
Na manhã, do dia 10 de dezembro, enquanto lá em cima seguia o cortejo da Lavagem, aqui embaixo passava o cortejo fúnebre.
Estandartes à frente simbolizavam grupos da Igreja. Sobre o caixão um estandarte da Lavagem. Um outro, nas mão de Maria Helena vestida de baiana, abria o cortejo.
Acompanhavam amigos, parentes, admiradores e muitas pessoas que chegaram ao mundo pelas mãos da mais tradicional parteira de Irará. Se por aqui, havia tristeza e saudades, no céu só poderia haver festa em receber tamanha personalidade iraraense.
PS – O fato de imaginar uma sobrevida lá no céu, formando uma comunidade pelos que se foram, sempre serviu para confortar os que ainda permanecem na terra e sentem saudades.
Diante da notícia do falecimento de D. Melânia, transmitido por Lú de Rege; a constatação de Zé Nogueira, de que Irará perde mais uma referência; da observação de Kakal de como estava o céu naquela noite; e da lembrança de Patrícia, da recepção de Sinhá Inácia no céu, narrada na música de Tom Zé; acabei contando a história acima (claro que tinham muitos e muitos outros nomes a serem relatados, mas infelizmente na hora da escrita, acabam fugindo).
É preciso que todas as baianas que a acompanham estejam sintonizadas, alegres, bem vestidas e com os potes de água de cheiro preparados. Lá também está Dadaí, com seu pote de água de cheiro, após preparar toda a massa dos bolinhos de acarajé.
As peças de chitão, que Tom Zé nos contou que foram compradas por Pedro Pinho Brejão, já não estavam dando pro gasto. A ocasião pede nova indumentária. Corre-se para providenciar tecidos novos com Sr. Teófilo, chapéus com Sr. Everton e Edson Barbosa.
Poderiam procurar por Caribé também, mas este há muito não lida mais com loja de roupa. Agora é bem provável que esteja em algum lugar abrindo um novo loteamento para servir ao progresso local.
Enquanto isso, no local da recepção, Sinhá Inácia dá seguimentos aos preparativos. Louro de Hospício lhe garante que a ornamentação sai a tempo e que vai ficar uma coisa linda, como bem merece a homenageada.
A agonia é grande. Pede-se a alguém para ir depressa buscar pregos em Sr. Lúcio. Seu Filas já prepara os foguetes. Os demais fogos serão comprados uma parte em Zé Vermelho e outra na loja de Zé Aristeu.
O “escritor das coisas de Irará” já nem pode dá muita atenção a seus clientes. Neste momento ele se ocupa na redação de um texto falando da história e trajetória da homenageada.
O professor e compadre Planzo, poeta e também escritor, está presente no ambiente. Faz cara de pensativo, alisa os fios de sua longa barba branca, toma uma dose de run e lembra-se de ir buscar a sua objetiva.
É preciso registrar esse momento. Pouco importa se depois alguém deixem os fotogramas abandonados em algum lugar, numa caixa de sapato qualquer.
Hora da passagem de som. Alfredo da Luz prepara o seu trio. Testa daqui testa de lá. O som funciona e pára em seguida. Alfredo resolve conferir todas as ligações feitas.
Está junto com Alfredo da Luz um jovem bastante prestativo. Trata-se de Kong que agora trabalha em parceria de Alfredo, colocando a disposição toda a sua experiência de roddie e eletricista, antes a serviço das bandas e eventos escolares de Irará.
Logo os dois percebem que não há muito que fazer. Não se trata de colocação de cabos. O problema é o velho amplificador de Alfredo, ainda de válvula, que resolveu pifar. Justo nesta hora.
A solução não tarda. Alfredo se lembra que Zé do Rádio também já habita aquelas plagas. Ele sabe que Zé não se negará a atendê-lo, só porque já passou a hora do expediente.
Um tempo depois o problema é resolvido. Peça para aquele aparelho antigo, só poderia mesmo sem encontrada na Oficina de Zé. Agora com o trio funcionando a contento acabaria os boatos de que não haveria música na festa.
Quem estava de olho na boataria de que o Padre não permitiria a celebração era a Professora Lourdes Ferro. Lurdão já elaborava mentalmente algum panfleto contra os poderosos da cidade, quando ficou claro que a Igreja não era contra o evento.
Boataria sem sentido. Quem seria contra as homenagens? Afinal, todos sabem que pela sua fé, devoção e alegria, a homenageada merecia não só uma festa, mais duas: a religiosa e a profana.
Festa garantida, Lurdão então decidi ocupar-se com o último ensaio do grupo de teatro. A peça a ser encenada conta a trajetória da Lavagem de Irará. O destaque é para a homenageada, porta estandarte da festa por setenta e seis anos, tendo assumido a função desde os doze anos de idade.
O último ensaio é acompanhado de perto por Dr. Aristeu. O velho comunista, já tinha demonstrado para Deraldo Bacelar, Antônio Maurício e Rogerinho, além de outros companheiros de Casa da Cultura, as suas preocupações quanto ao possível relaxamento do pessoal.
Despreocupados estão Roque irmão de Pinga e Cau Paes Coelho. Cada um numa barraca. Em meio a toda a agonia, um conversa sobre futebol, o outro sobre política. Jogam conversa fora enquanto tomam umas cervejas e observam Amaral, Aniceto e alguns outros músicos, afinando os instrumentos da Charanga.
De repente, lá vem um carro apressado. É Murilo acompanhado de Tainá. O casal está indo guardar o veículo para voltar e curtir a Lavagem. Essa, certamente, deve ser a maior de todas as que acontecem todo mês lá porta do céu.
Em contrataste com a pressa dos jovens eufóricos está a Professora Lourdes Portela. Ao saber da notícia, a professora Lourdes deu um tempo na leitura do jornal, repousou-o ao lado do dicionário e se manteve pensativa. Parece distante do assunto contado com entusiasmo por D. Nilzete Maia.
Nilzete recorre a poesia de Manuel Bandeira, ensaiando a mesma homenagem que lhe fora feita:
Melânia preta
Melânia boa
Melânia sempre de bom humor
Imagino Melânia entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Melânia. Você não precisa pedir licença.
A festa já esta pronta e sem hora para terminar. Todos só esperam a presença da grande guerreira. Baluarte e referência da mais tradicional festa de Irará, como nós lembra os versos do cordel de Kitute de Licinho.
“Nossa porta estandarte
Mulher de garra e guerra
Inicia a festança que cedo
Não se encerra
Não tem Canô nem Betânia
Quem manda é Mãe Melânia
Na lavagem dessa terra”
Quem por muitos anos comandou as Lavagens da terra Irará, agora segue pra, junto a Sinhá Inácia, comandar as Lavagens do céu. Antes, durante a Lavagem 2008, cumpriu a missão e passou o estandarte à sua sucessora, Maria Helena.
A música de Tom Zé anunciou:
“Melânia porta-bandeira
Com mais de cem companheiras
Lá vem puxando o cordão
Com estandarte na mão”
Pronto. Melânia chegou! A festa pode começar. Após uma tarde de chuva, o céu de Irará estava num colorido bonito. Um quase vermelho intenso em plena noite, como que refletindo a festa que todos faziam lá por cima.
Na manhã, do dia 10 de dezembro, enquanto lá em cima seguia o cortejo da Lavagem, aqui embaixo passava o cortejo fúnebre.
Estandartes à frente simbolizavam grupos da Igreja. Sobre o caixão um estandarte da Lavagem. Um outro, nas mão de Maria Helena vestida de baiana, abria o cortejo.
Acompanhavam amigos, parentes, admiradores e muitas pessoas que chegaram ao mundo pelas mãos da mais tradicional parteira de Irará. Se por aqui, havia tristeza e saudades, no céu só poderia haver festa em receber tamanha personalidade iraraense.
PS – O fato de imaginar uma sobrevida lá no céu, formando uma comunidade pelos que se foram, sempre serviu para confortar os que ainda permanecem na terra e sentem saudades.
Diante da notícia do falecimento de D. Melânia, transmitido por Lú de Rege; a constatação de Zé Nogueira, de que Irará perde mais uma referência; da observação de Kakal de como estava o céu naquela noite; e da lembrança de Patrícia, da recepção de Sinhá Inácia no céu, narrada na música de Tom Zé; acabei contando a história acima (claro que tinham muitos e muitos outros nomes a serem relatados, mas infelizmente na hora da escrita, acabam fugindo).
Foto: Tomada de emprestimo em www.irara.com
8 comentários:
Valeu Ró. Imagino o fuguetório de Zé Popò, Seu Odilio e Seu Hóracio. Zequinha e Aniceto, com certeza já a esperava com Zé Petú e sei os muitos compadres dela. Vamos ficar por aqui só nas homenagens.
Maravilhoso Ró. Dona Melãnia merecia um texto tão generoso, como generosa era sua protagonista. Grande homenagem.
Ró, esse dia foi de muita emoção. Afinal, perdemos sim uma referência da nossa história iraraense. Mas, temos o seu exemplo e pessoas como vc que fazem de um fato desses, uma oportunidade para se homenagear uma ilustre iraraense, como Mãe Melânea. Sou seu eterno fâ, Ró!!!! Parabéns pelas lindas palavras e pela sua sensibilidade de artista !!!!
Roberto.
Parabéns pelo seu texto.
Você me levou as lágrimas ao ler o texto e ser tomada por um sentimento leve e suave, tamanha sua sensibilidade em narrar a alegria da chegada desse espírito, que pelo meu sentir, foi nobre, ilustre e principalmente iluminado.
Belo texto, Ró. Não conheço todos da recepção divina, mas o texto é realmente bom.
Abraço.
Linda homenagem Ró!!! Um verdadeiro artista!
ESSE É O RÓ DE IRARÁ QUE TANTO NOS ORGULHA. FIQUEI SIMPLESMENTE EMOCIONADO E PASMO POIS A CADA DIA SEI QUE IRARÁ É E SEMPRE SERÁ UM PEDAÇO DO MUNDO COM TODOS OS MIMOS DE DEUS, POIS ELE USA SEUS HABITANTES E SEUS DONS, PARA CHEGAR AO MUNDO COM CRIATIVIDADE E EMOÇÃO, MOSTRANDO QUE O TAMANHO DA SUA OBRA INDEPENDE DO TAMANHO DA ÁREA TERRITORIAL. PARABÉNS. SOU SEU FÃ. E VIVA D.MELÂNIA QUE SUBIU DE UM FORMA LEVE NUTRIDA DE ENERGIAS POSITIVAS COMO UMA PLUMA QUE SOBE AO BEL PRAZER DO VENTO: SEU ETERNO COMPANHEIRO.UM ABRAÇÃO.NILSON AQUINO.
Ró dos céus, naum sabia que tinha este Blogger. Estava pesquisando algo sobre Mãe Melania, qdo. deparei com teu blogger... Lindo por demais! Estou pasmaaaaa... adorei. Sempre fui e sou tua fã... Um trio de artistas a quem admiro: Zé Nogueira, Marcilio e Roberto, artistas ainda que poucos anônimos, mas... aos pouquinhos estão conquistando seus espaços... que bom Ró poder ler td isto que conta sobre esta maravilhosa cidade "IRARÁ, LUGAR MELHOR NÃO HÁ",com certeza... Esta homenagem aos que SE FORAM (fisicamente ausente de Irará), mas NÃO FORAM (as lembranças de suas história permanecem vivas)...Parabéns e boa sorte...
Com certeza, serei uma visitante assídua.
Beijos, ah! vê se lembra da poesia sobre as "Maria" (hahahahha).
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