18.3.10

O Caçador de Pipas e as presas do império

A simples menção à palavra “Best Seller” já dá um tom comercial. Isto pode gerar certa repulsa. Afinal, tudo que cheira a “mercado” trás uma idéia de algo muito bem planejado para vender. Como se fosse coisa sem alma, de conteúdo efêmero.

O editor forçou a divulgação na crítica com muita grana. Os mestres receberam vantagens para recomendar a obra. Uma mega campanha de lançamento foi feita... Ou qualquer outro tipo de suspeita passível de ser explicitada pela teoria da conspiração.


Tais suposições, contudo, não me impediram de adquirir uma unidade de “O Caçador de Pipas”. A “obra sucesso” de Khaled Hosseinei, distribuído no Brasil pela Editora Nova Fronteira, estava disposta numa torre formada por dezenas de exemplares logo na entrada da livraria. Bateu curiosidade, trouxe pra casa.


Junto com a oportunidade de ler uma obra comentada, a compra de “Best Sellers” tem o benemérito de nos deixar “in”. É como ver programas tipo Big Brother. A gente tem de, no mínimo, saber como funciona pra não ficar por fora do assunto quando estivermos em determinadas mesas de bar...


Conteúdo


Saindo das divagações sobre o conflito undergroud x mainstream, vamos ao comentário sobre a obra. A leitura é prazerosa. E, acredite, despido de qualquer possível preconceito a um “Best Seller”, eu recomendo.


A narrativa da historia de Amir e Hassan, como diz no texto da orelha do livro, nos convida a pensar sobre “a frágil relação entre pais e filhos, entre seres humanos e seus deuses, entre os homens e sua pátria”. Amizade, traição, paixão... Tá tudo ali.


Da leitura, alguns trechos me chamaram a atenção. Entre eles, a passagem na qual Amir quer testar a amizade de Hassan e acaba sendo testado:


O jovem pergunta ao amigo se ele comeria cocô pela amizade deles. Hassan responde que sim, para logo em seguida questionar: “Será que algum dia você me mandaria fazer uma coisa dessas?”.


A resposta-pergunta de Hassan soa como uma provocação. Algo do tipo: “será que vc seria meu amigo mesmo se fizesse isso?”.



História dos meninos foi transformada em filme

Poderia separar diversos outras passagens do livro em seus ensinamentos de entrelinhas, mas, para não me alongar, concentrarei atenção em dois grupos de tópicos.

Sinceridade

“Mas é melhor uma verdade que dói do que uma mentira que conforta”

“esse é o problema das pessoas que são sinceras: acham que todo mundo também é.”

Infância

“As crianças não são cadernos de colorir. Você não tem de preenchê-los com suas cores favoritas.”

Destino


“pode ser injusto, mas o que acontece em poucos dias, às vezes até uma única vez, pode alterar o rumo da vida inteira”

“Sempre dói mais ter algo e perdê-lo do que não ter aquilo desde o começo”

Paternidade

“percebi como boa parte de quem eu era, boa parte do que eu era tinha sido definido por baba e pelas marcas que ele deixou na vida das pessoas. Durante toda a minha vida, fui “o filho de baba”. Agora, ele tinha ido embora. Nunca mais poderia me mostrar o caminho a seguir. E eu ia ter de descobrir isso sozinho. Essa idéia me deixou aterrorizado”

“Que tipo de pai eu seria, ficava imaginando. Queria ser exatamente como baba e ser inteiramente diferente dele”



O império contra-acata, nas entrelinhas é claro

Se as passagens acima nos levam a saudáveis reflexões, o livro tem outras que nos trazem certas desconfianças quanto aos seus méritos de “Best Seller”. Tais como nos recortes abaixo:

“Pelo que vejo, os Estados Unidos infundiram em você o otimismo que fez deles um grande país. Isso é ótimo. Nós, os afegãos, somos um povo melancólico, não somos?”

“os comunistas eram a escória mesmo. Eram todos gente de famílias humildes, sem estirpe.”

“Você cresceu nos Estados Unidos, Amir. Se há uma coisa que aquele país me ensinou é que, para eles, desistir equivale a mijar na jarra de limonada das bandeirantes”

Pois bem. Alguém pode inferir de leituras de frases como as demonstradas acima, entre outras passagens do livro, que a narrativa releva à terra do Tio Sam a imagem de um grande país. Uma pátria na qual “todos” têm oportunidades “iguais”.


Burka para as mulheres, imposição Talibã

Quanto à história do Afeganistão, o livro evidência um pais livre, onde as pessoas são felizes com os seus costumes e as crianças brincam em campeonatos de pipas. Até que chegam os comunistas...

Os relatos à repressão comunista aos afegãos mostram quem são os dominadores e por quem são patrocinados. Pela Rússia é claro. No entanto, quando os fundamentalistas Talibãs tomam o poder dos comunistas e a situação fica ainda mais drástica no país, o livro não trás maiores menções.

Através das páginas de O Caçador de Pipas não dá saber quem sustentou e patrocinou o regime Talibã para derrubar os russos (um doce pra quem adivinhar!). Seria irônico se talvez, quem sabe, fossem aqueles mesmos que tempos depois quiseram “libertar” o Afeganistão dos mesmos Talibãs.

Assim, Teorias da Conspiração ou os jovens sonhadores dos anos 1960, talvez chamassem o livro de propaganda imperialista enrustida. É fácil imaginar que quem prega o seu “way of life” tão bem através do cinema e da TV igualmente o queria fazer através da literatura.

Daí, um empurrãozinho para um bom livro se tornar um “Best Seller” não é nada mal. Lá vai muita gente boa consumindo propaganda subliminar e, se não tiver cuidado, vai sustentar a condição de presa do império
.


O Tio Sam ainda quer você


P. S. Depois de lido o livro, é hora de ver o filme e entrar na velha discussão: “o roteiro foi fiel à obra?”. Além de, por alguns instantes, substituir pelo olhar do diretor todas as imagens anteriormente feitas em nossa cabeça através da leitura.


Imagens tomadas de empréstimo do Google Imagens

Um comentário:

Anônimo disse...

Rodésio beleza de post. Quero inclusive reforçar que o mesmo disfarce se aplica a outros, pelo menos dois, livros que se seguiram a O Caçador de Pipas. O primeiro O Livreiro de cabul e o segundo, A menina que roubava livros.

A propósito em Blogducabelera, http://blogducabelera.wordpress.com/, postei um artigo americano onde ficam claras as estratagemas utilizadas para justificar suas guerras de posse e enriquecimento por meio da indústria de guerra e armas...

Iminência de explosão: Ameaças americanas se intensificam contra Rússia e o Irã

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