Maria Eduarda estava pensativa no ponto de ônibus. Lembrou os tempos do colégio. Seu protagonismo, os constantes elogios dos professores e as profecias: “Essa menina tem tudo para ser uma grande profissional”. Presságios confirmados. Eduarda era muito boa no seu trabalho. Ela sabia disso.
Não era falta de modéstia, nem auto-estima nos ares. Muito pelo contrário. Valia-se de criticidade comparativa e sabia das qualidades dos seus feitos. Era fácil perceber que estavam acima da produção daqueles cujos salários eram muito superiores ao seu.
Questionou-se: Por que meu trabalho é melhor e ganho menos? Por que com tanto tempo de dedicação não sou promovida? Por que minha qualidade de trabalho não é devidamente reconhecida? Por que não avancei na companhia quando colegas mais novos receberam loas do chefe? Porque...
A quantidade de “porquês” assustou a moça. Susto insuficiente para interromper o filme que passava em sua cabeça. Pais, colegas, professores e manuais de auto-ajuda. Ela havia feito todo o aconselhado nas histórias dos vencedores.
“Estude para ter uma boa formação”. Mesmo diplomada em instituição de renome, Eduarda continuava a fazer isto. “Seja criativo”. Não era mesmo essa uma das qualidades que as pessoas lhe apontavam? “Seja persistente”. Os tantos anos de lida e tentativa lhe davam atestado.
“Seja um profissional dedicado e ame o seu trabalho”. Ela sempre gostou muito do que faz e sempre sonhou ganhar a vida com isto.
Lembrou dos colegas que avançaram; muitos deles com pouca competência. Recordou quando a empresa mudou a chefia. “Agora é a sua turma que está no comando Eduarda, você vai ser valorizada”, diziam os amigos otimistas. Tal e qual escrito no poema de Drummond, “o bonde não veio, o riso não veio...” e o reconhecimento também não chegou.
Alguém que passava deixou um panfleto em suas mãos. “Faculdade de Puxa-Saquismo”. Era o título. Aquele talvez fosse um curso importante ainda em falta no currículo de Eduarda. Com este aprendizado certamente teria melhores oportunidades.
Empolgada, ela alongou o olho e foi ler o cronograma, no qual eram listadas a as disciplinas do curso. Ali dava para sentir a qualidade da proposta.
Babação de Ovo I e II; Beijos e abraços falsos; Técnicas para achar graça em piadas do chefe; Teoria da gabolice dos atos do chefe; Metodologia de ligar e procurar o chefe toda hora; Sistema de imitação do chefe; Cheretagem expansiva I e II, entre outras.
O curso era relativamente barato. O pagamento poderia ser feito em suaves prestações. E as aulas eram rarefeitas, um ou dois dias por semana. A quase totalidade delas ministradas à distância.
Eduarda deu um sorriso amarelo. Ficou pensativa. Voltou a questionar-se: Conseguiria aprender em um curso, o que os seus colegas faziam tão bem sem ter tomado aulas? Seria justa a ascensão de pessoas cujas maiores qualidades são as técnicas ensinadas naquele curso? Será que o seu perfil se adaptaria àquelas lições? Seu orgulho e amor próprio se sujeitariam aquilo?
Sem resposta pra tudo, dobrou o panfleto, botou no bolso e tomou o ônibus lotado que acabara de chegar.
Papel esquecido, molhado e desintegrado na lavagem da calça. Eduarda nunca se lembrou de procurar por aquele curso. Consciente e inconscientemente ela sabia que jamais estaria adaptada à “Faculdade de Puxa-Saquismo”. Quem sabe um dia, sua hora chegue.
2 comentários:
Essa faculdade é a mais cursada em todo o mundo, mas quem tem amor próprio não passa no seu vestibular.
Concordo com Urânia. Dessa faculdade eu quero distância...
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