6.10.11

Faculdade de puxa-saquismo

Maria Eduarda estava pensativa no ponto de ônibus. Lembrou os tempos do colégio. Seu protagonismo, os constantes elogios dos professores e as profecias: “Essa menina tem tudo para ser uma grande profissional”. Presságios confirmados.  Eduarda era muito boa no seu trabalho. Ela sabia disso.

Não era falta de modéstia, nem auto-estima nos ares. Muito pelo contrário. Valia-se de criticidade comparativa e sabia das qualidades dos seus feitos. Era fácil perceber que estavam acima da produção daqueles cujos salários eram muito superiores ao seu. 

Questionou-se: Por que meu trabalho é melhor e ganho menos? Por que com tanto tempo de dedicação não sou promovida? Por que minha qualidade de trabalho não é devidamente reconhecida? Por que não avancei na companhia quando colegas mais novos receberam loas do chefe? Porque...

A quantidade de “porquês” assustou a moça. Susto insuficiente para interromper o filme que passava em sua cabeça. Pais, colegas, professores e manuais de auto-ajuda. Ela havia feito todo o aconselhado nas histórias dos vencedores. 

“Estude para ter uma boa formação”. Mesmo diplomada em instituição de renome, Eduarda continuava a fazer isto. “Seja criativo”. Não era mesmo essa uma das qualidades que as pessoas lhe apontavam? “Seja persistente”. Os tantos anos de lida e tentativa lhe davam atestado. 

“Seja um profissional dedicado e ame o seu trabalho”. Ela sempre gostou muito do que faz e sempre sonhou ganhar a vida com isto. 

Lembrou dos colegas que avançaram; muitos deles com pouca competência. Recordou quando a empresa mudou a chefia.  “Agora é a sua turma que está no comando Eduarda, você vai ser valorizada”, diziam os amigos otimistas. Tal e qual escrito no poema de Drummond, “o bonde não veio, o riso não veio...” e o reconhecimento também não chegou. 

Alguém que passava deixou um panfleto em suas mãos. “Faculdade de Puxa-Saquismo”. Era o título. Aquele talvez fosse um curso importante ainda em falta no currículo de Eduarda. Com este aprendizado certamente teria melhores oportunidades. 

Empolgada, ela alongou o olho e foi ler o cronograma, no qual eram listadas a as disciplinas do curso. Ali dava para sentir a qualidade da proposta. 

Babação de Ovo I e II; Beijos e abraços falsos; Técnicas para achar graça em piadas do chefe; Teoria da gabolice dos atos do chefe; Metodologia de ligar e procurar o chefe toda hora; Sistema de imitação do chefe; Cheretagem expansiva I e II, entre outras. 

O curso era relativamente barato. O pagamento poderia ser feito em suaves prestações. E as aulas eram rarefeitas, um ou dois dias por semana. A quase totalidade delas ministradas à distância. 

Eduarda deu um sorriso amarelo. Ficou pensativa. Voltou a questionar-se: Conseguiria aprender em um curso, o que os seus colegas faziam tão bem sem ter tomado aulas? Seria justa a ascensão de pessoas cujas maiores qualidades são as técnicas ensinadas naquele curso? Será que o seu perfil se adaptaria àquelas lições? Seu orgulho e amor próprio se sujeitariam aquilo? 

Sem resposta pra tudo, dobrou o panfleto, botou no bolso e tomou o ônibus lotado que acabara de chegar.  

Papel esquecido, molhado e desintegrado na lavagem da calça. Eduarda nunca se lembrou de procurar por aquele curso. Consciente e inconscientemente ela sabia que jamais estaria adaptada à “Faculdade de Puxa-Saquismo”. Quem sabe um dia, sua hora chegue.  

2 comentários:

Urânia Martins disse...

Essa faculdade é a mais cursada em todo o mundo, mas quem tem amor próprio não passa no seu vestibular.

Daniela Lima disse...

Concordo com Urânia. Dessa faculdade eu quero distância...