Ricardo Boechat, âncora da BandNews FM, costuma dizer que os governos deveriam ter um departamento, uma
secretaria ou um ministério responsável pelo “vai dar merda”.
O órgão teria como missão chamar
atenção do gestor público e antever situações. Vislumbrar problemas que, diante
do consumir de tarefas e responsabilidades cotidianas da função pública, estivessem
ocultos, mas fossem óbvios.
Boechat tem razão, mas acredito ser
exagerada a sua proposta. Talvez não seja necessário um organismo, mas tão
somente um simples e único servidor.
Alguém talhado para ser o lembrador do
óbvio. Para ser o “índio revelador” como na canção de Caetano, da qual tomei de
empréstimo a dualidade “oculto x óbvio” mencionada no parágrafo anterior.
Chefes, gestores, pessoas em
posição de comando dificilmente aceitam “índios” como assessores. Os motivos são
diversos, certamente o mais assertivo é que “índios”, em geral, são mais
dedicados à natureza da sua missão do que ao “ficar de boa com o chefe” da
tribo.
Maquiavel, em sua obra mais
conhecida, diz que um dos graves erros do Príncipe é cercar-se de bajuladores.
Um puxa-saco, bem diferente de um “índio”, jamais alertaria o Rei da sua nudez
visível. O medo de desagradar o soberano falaria mais alto. Assim, o Rei
seguiria nu até ser apontado por uma criança travessa e virar bobo da corte.
Criança dentro da mochila (Reprodução Facebook/Correio24Horas)
O noticiário sobre o caso das mochilas grandes distribuídas, pela
prefeitura de Jequié, para as pequeninas crianças da creche municipal nos leva
a esta reflexão: Será que por lá faltou o assessor do “vai dar merda”?
Além disto, pelo percebido em
notícia do Bocão News, as respostas da prefeitura, por meio da Secretaria
Municipal de Educação, e do secretário, em “desabafo” no Facebook, convidam a
outra dúvida: Será que faltou assessor de comunicação ou o mesmo não foi
consultado?
As repostas não parecem
adequadas. Não se vê, em momento algum, um “erramos”. Príncipes em geral (não
sei se é o caso dos gestores de Jequié, pois não os conheço) têm dificuldades
de reconhecer erros.
A resposta da prefeitura,
conforme noticiada, diz que “a atitude de também distribuir as mochilas
[grandes] para os alunos das creches [foi] para evitar qualquer tipo de
discriminação”.
No argumento acima reside um
grande equívoco para gestão pública. Afinal, conforme já ouvi Orman Ribeiro,
conhecido professor de Direito Constitucional, dizer: “a ideia de igualdade não
é a proibição absoluta de qualquer discriminação”. Uma gestão pública precisa saber
tratar os desiguais na proporção de suas desigualdades.
Ilustração para uma desigualação de desiguais - Reprodução
No caso em questão era preciso
mesmo “discriminar”, ou seja, “diferenciar”. Diferenciar os alunos grandes dos
pequenos e entregar a cada um a mochila adequada a seu biótipo e não o modelo
de mesmo tamanho a todos. Se não tinha mochila apropriada para os pequenos
nesta oportunidade, que se esperasse por uma próxima.
O “desabafo” do secretário foi
infeliz também. Pelo texto [no final da notícia], é difícil entender o argumento, atribuído ao
Ministério da Saúde, de que “uma criança não pode carregar mais que 10% do seu
peso” para justificar uma mochila com potencial para carregar 100% ou mais.
Do mesmo jeito, o texto ficou
estranho quando se pergunta ao público: “querem afirmar que os pais de hoje não
estão servindo nem pra carregar a mochila dos seus filhos?”.
Será que as mochilas foram distribuídas para serem usadas pelos pais das crianças? Não é o que mostra a imagem...
As emendas saíram tão ruins quanto o soneto. A julgar pelas
respostas, faltou um “índio”. Alguém capaz de identificar os “sinais de fumaça”
da situação. Um profissional de comunicação para, nestes tempos de exposição
pública, potencializada pela mídias digitais, orientar os gestores como se
posicionar diante dos fatos.
No final de sua postagem, o
secretário usa trecho de canção dos Novos Baianos para dizer que “ninguém vê
minha sacola”. Aqui mais uma infelicidade. As sacolas foram fotografadas e as
imagens foram publicadas na internet, sendo vistas e retransmitidas até por
telejornais da região sudeste do país.
Assim, “todo mundo” viu a sacola.
A sacola é grande. É tão grande que cabe uma criança dentro. E caberia até o “vai
dar merda” e o “erramos”. Só não cabe resposta descabida.
Um comentário:
Legal o texto.
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